Cinerama | Apocalipse nos Trópicos

Em “Apocalipse nos Trópicos”, Petra Costa retorna ao território político-social brasileiro com a mesma assinatura estética e narrativa que marcou “Democracia em Vertigem”, seu documentário indicado ao Oscar. A cineasta propõe um mergulho na perigosa interseção entre religião e poder, explorando como a retórica apocalíptica do movimento evangélico contribuiu para a ascensão de Jair Bolsonaro e para o enfraquecimento das bases democráticas do país. 

No entanto, apesar da premissa promissora, o documentário por vezes se perde em caminhos já trilhados por sua obra anterior, soando mais como uma continuação emocional de seu lamento democrático do que como uma investigação aprofundada do avanço religioso sobre a política.

Embora o filme se anuncie como um retrato do poder crescente das lideranças evangélicas, a figura de Silas Malafaia domina a narrativa de maneira talvez desproporcional – o que pode ser explicado por ter sido um dos poucos que permitiram acesso direto à diretora. Essa escolha acaba por concentrar a representação do fenômeno em um personagem específico, ofuscando a complexidade e diversidade do movimento evangélico-político no Brasil. Ainda assim, o documentário tem méritos inegáveis: momentos reais que beiram o terror – por sua carga simbólica, agressividade ou potencial destrutivo – causam impacto e despertam o senso de urgência.

Petra continua afiada em sua construção visual e na costura de arquivos com imagens atuais, e sua voz narrativa, mesmo criticada por alguns, carrega a força de quem viveu e sentiu o colapso institucional. “Apocalipse nos Trópicos” talvez não entregue a análise ampla que promete, mas funciona como alerta: um espelho sombrio do Brasil recente e um lembrete necessário de que o fundamentalismo religioso, quando aliado ao poder, pode ser um projeto de fim dos tempos – mas não no sentido bíblico, e sim democrático.

Nota: ★★★

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