Consciência Negra: a trajetória de profissionais e a luta contra o preconceito
Marcada por anos pelo trabalho de africanos e seus descendentes escravizados, a cidade de Itu também viu, ao longo dos tempos, descendentes dessas pessoas escravizadas terem um reconhecimento, um destaque na sociedade, majoritariamente por brancos, em uma sociedade que ainda luta pelo fim do preconceito.
Lembramos aqui Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978), que foi um intelectual, poeta, escritor, líder político, e tradicionalista brasileiro, que fundou a Frente Negra Brasileira, primeiro movimento negro do Brasil.
Arlindo, ituano de nascimento, também foi professor de latim, inglês, português, história, sociologia e filosofia. Lecionou em faculdades privadas e seu talento intelectual foi reconhecido internacionalmente, recebendo uma série de diplomas honoríficos.
Outro filho de Itu de grande destaque é o advogado Dr. Benedicto Galvão (1881-1943), que foi o primeiro negro a tornar-se presidente da OAB-SP, em 1940, permanecendo no cargo de 1941. Dr. Benedicto diplomou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1907, passando a advogar no famoso escritório de Alfredo e Ernesto Pujol.
No mês da consciência negra, o JP traz perfis de pessoas que, em suas respectivas áreas profissionais, se destacam hoje na cidade e aproveitam para deixar uma importante mensagem na luta contra o racismo, às vésperas do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
Laila Soares
Filha de Luís e Geane, mãe solo da Lara, a psicóloga Dra. Laila Soares de Almeida, de 32 anos, é natural de Guaianases/SP, mas é filha de ituano e, há anos, reside em Itu. “Filha de um homem preto nascido e criado aqui na cidade, que trabalhou desde os seis anos entregando pão e leite nas peruas que antigamente saíam de madrugada, para a galera ter seus pãezinhos entregues logo de manhã, o mesmo menino preto que no final dos anos oitenta era barrado na entrada dos clubes de dança pelo fato de ser quem ele era. Filha de uma mulher nordestina que aos seis anos de idade era babá de uma criança de quatro anos de uma família rica da região em que nasceu”, se apresenta.
“Duas pessoas privadas do seu direito de ser criança, desenvolveram um único propósito para mim e para minha irmã ‘vocês só irão trabalhar depois que concluírem os estudos’. Porque abandonar os estudos para trabalhar, na experiência e existência deles não foi uma opção, foi consequência de uma estrutura social que marginaliza corpos como os nossos. Consequência cara!!”, desabafa.
Dra. Laila formou-se em Psicologia em 2018 e atualmente faz pós-graduação em TCC (Terapia Cognitivo Comportamental), em curso de aprimoramento em história e cultura afro-brasileira e suas responsabilidades sociais.
No trabalho, além da psicologia clínica, desenvolveu um projeto para acolhimento psicológico gratuito para mulheres negras e periféricas que residam nos bairros próximos.
Marcelino Camargo
Professor de biologia e ciências, Marcelino Camargo do Amaral, de 47 anos, é casado e tem dois filhos. Natural da cidade de Santos/SP, reside há anos na cidade de Itu. Antes de atuar como professor, Marcelino foi jogador de futebol profissional. “Fiz a base no Ituano, cheguei em 1990 e me profissionalizei em 1995. Rodei em alguns clubes, encerrei minha curta carreira, decidi concluir meus estudos, me formei em Biologia e comecei a dar aula em 2008”, recorda.
“Sou muito feliz nessa área de trabalho”, declara Marcelinho, que comenta já ter sofrido com o preconceito. “Já sofri discriminação e é uma coisa muito triste, revoltante”.
O educador explica o que pode e deve ser feito contra o preconceito. “É informação. Eu acredito que tanto nós, negros, quanto brancos temos que nos informar, sermos muito bem informados sobre nossos direitos, sobre a luta que os negros fizeram. Além disso, acima de tudo, respeito. Independente se você é negro ou branco. As pessoas têm que se respeitar, se amar. A luta é de todos por um mundo melhor. A melhor arma é a educação”, conclui.
Marcelo Teixeira
Ituano de nascimento, o advogado Dr. Marcelo Teixeira, de 40 anos, comenta sobre sua trajetória. “Família Teixeira, sobrenome este que carrego com muito orgulho de uma linhagem que, apesar das dificuldades financeiras, sempre valorizaram a importância dos estudos e ensinou que o que somos supera o que possuímos”.
“Hoje, além de levar adiante o legado da minha família, sou advogado na cidade de Itu, há mais de 18 anos, ocupando atualmente o cargo de vice-presidente na 53ª subseção da OAB-Itu. Mais do que isso, sou pai de uma jovem incrível pela qual luto diariamente. Meu compromisso é quebrar os estigmas que ainda persistem e extinguir os preconceitos que tentam limitar seu potencial”, destaca Dr. Marcelo.
Susley Rodrigues
Advogada, Dra. Susley Rodrigues, de 38 anos, se apresenta. “[Sou] Ituana, mãe, militante na luta antirracista, advogada há mais de dez anos, pós-graduada em penal e processo penal-civil e processo civil”.
“Todo dia 20 de novembro é dia de refletir o que a sociedade se recusa a praticar nos demais dias do ano. Dia de questionarmos a ausência quase que absoluta de pessoas pretas nos espaços de lazer, de poder e de educação”, explica a advogada.
“Não fomos nós que criamos o racismo, somos as vítimas, mas, em nome das dezenas de vidas negras que o racismo destrói todos os dias, estamos dispostos a nos unir ao grupo étnico que se beneficia dessa desigualdade até hoje para que um futuro menos violento seja construído”, prossegue Dra. Susley.
“Que esse dia seja um dia de reflexão sobre o privilégio de não ser perseguido, criminalizado ou discriminado pela cor da sua pele. E que essa consciência que nada mais é que a própria consciência negra, te dê forças para ser nosso aliado na luta antirracista”, destaca a militante.
“Um feliz dia da consciência negra, já que todos os outros dias do ano são de uma consciência branca que ocupa tudo, exclui muitos e só beneficia alguns”, complementa Dra. Susley.
Christian Hilário
O ator e diretor Christian Hilário, de XX anos, morador de Itu desde a adolescência, acredita que o preconceito pode ser transformado com diálogo. “As crianças não nascem preconceituosas, alguém ensina pra elas e como faz? Com brincadeiras, com piadas e isso começa a se criar dentro da criança.”
“O que fortalece mais isso na sociedade é ao assistir à novela, o filme, ver o preto escravo, servindo, o empregado e isso hoje está sendo descontruído”, destaca o ator.
Christian aproveita para deixar uma mensagem, “Se destaque, se valorize, não deixe ninguém te rebaixar. Vá atrás dos seus objetivos, dos seus direitos e se você tem vontade de fazer, lute e nunca se ‘faça de vítima’. Não pense que não tem chances. Se você entrar com esse pensamento, você não vai a lugar nenhum”, conclui.