CONTOS DE FADAS & CANTIGAS DE NINAR
Os contos de fadas e as cantigas de ninar se perdem nas brumas do tempo. São antigas e trazem conotações tenebrosas e assustadoras, como as histórias contadas ao longo dos séculos nas tabernas e castelos medievais, originalmente destinadas aos adultos. São histórias de monstros, bruxas, assombrações e vampiros. Porém, nada mais enriquecedor para as crianças que contos de fadas e cantigas de ninar, que as fazem pensar e ajudam na leitura de mundo.
O poeta alemão Schiller escreveu: “Há maior significado profundo nos contos de fadas que me contaram na infância do que na verdade que a vida ensina”.
Como fazer uma criancinha dormir sem lhe incutir terror e medo? A verdade é que elas dormem ou dormem para se livrar dos perigos contados na penumbra por avós, pais e babás. Como era costume as famílias terem muitos filhos, então ficava a cargo das amas de leite a educação e os cuidados com as crianças.
Geralmente essas criaturas eram ignorantes e contavam histórias escabrosas para os pequenos, incutindo insegurança e medo. Monteiro Lobato escreveu: “O pai do medo é a escuridão e a mãe a ignorância”. No livro “A Psicanálise dos Contos de Fadas” (Paz e Terra), o psicanalista Bruno Bettelheim se aprofunda nesses contos sugerindo conotações sexuais, como na história de “Chapeuzinho Vermelho” (Perrault) com a atração pelo sexo oposto (edípico).
Outro conto que as crianças adoram é “Os Três Porquinhos”. Ele ensina que não devemos ser preguiçosos e levar as coisas na brincadeira porque podemos perecer. Um trabalho duro nos fará vitoriosos, mesmo contra o Lobo!
Os contos de fadas são importantes na formação psicológica das crianças, elas interpretam conforme a sua idade, i.e., nunca se deve interpretar o conto para elas.
Cantigas de ninar também não mostram um mundo cor-de-rosa. Observem trechos das letras e façam suas reflexões. Vejam a cantiga do “Boi da Cara Preta”:
“Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Pega esta criança
Que tem medo de careta!”
Dá para imaginar? Um touro enorme, pesando uma tonelada, com uma cabeça dotada de chifres ameaçadores, aproximando-se de uma criancinha indefesa?
O que dizer da cantiga “Nana nenê”?
“Nana nenê
Que a Cuca vem pegar
Papai foi na roça
Mamãe foi trabalhar”.
Nessa condição extrema a criança se sente desprotegida. Papai foi na roça que provavelmente é longe e a mamãe foi trabalhar sabe Deus lá onde. Ela está sozinha e desamparada com a Cuca rondando a cama para pegá-la e talvez devorá-la. Como dormir com uma ameaça tão terrível?
Outra tragédia em “O cravo e a rosa”:
“O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido
E a rosa despedaçada”.
As delicadas flores brigam. O cravo simboliza o homem e a rosa a mulher que entram em desacordo. Isso não é bom do ponto de vista infantil, a criança pode transferir isso para o relacionamento dos pais e esse conflito a faz insegura.
Afinal, o que é despedaçar uma criatura? É reduzi-la a pedaços. O simbolismo é claro, quando os pais brigam pode-se perder ambos.
Outra intitulada “Bicho Papão”:
“Bicho Papão
Sai de cima do telhado
Deixa esse menino (a)
Dormir sossegado (a)”.
A Cuca já foi embora, graças a Deus. Mas há um Bicho Papão de cara muito feia rondando em cima do telhado. O que ele estará fazendo? Procurando uma fresta, a chaminé da lareira, uma janela aberta para entrar?
Ainda temos o conhecidíssimo “Pau no gato”:
“Atirei um pau no gatotôtô
Mas o gatotôtô
Não morreueu eu
Dona Chica cá
Admirou-se se se
Do berro, do berro que o gato deu:
Miau!”
A estrofe: “Atirei um pau no gato” sugere uma confissão delituosa e deixa explícito a intenção de atingir o pobre animal. Outra crueldade liderada pela própria criança. O pau foi atirado para matar o gato, isso sim. Toda criança tem seu lado maquiavélico, pois ela bem sabe a diferença entre o bom e o mau.
E a cantiga “A canoa virou”?
“A canoa virou
Pois deixaram ela virar
Foi por causa da Maria
Que não soube remar.
Se eu fosse um peixinho
E soubesse nadar
Eu tirava Maria
Do fundo do mar”.
Tragédia! A canoa vira por imperícia dos remadores e culpam a pobre da Maria, criança inocente. Pior, a Maria jaz no fundo do mar, morta, afogada. A cretinice repousa na história que há peixinho que não sabe nadar. É abusar da inteligência dos pequenos!
Para encerrar eu cito: “Samba Lelê”.
“Samba Lelê tá doente
Tá com a cabeça quebrada
Samba Lelê precisava
É de umas boas palmadas”.
Outra apologia ao castigo corporal. Não basta o “Samba Lelê” estar doente e precisar de cuidados médicos. Recomenda-se ainda um castigo.
Ainda bem que existem contos de fadas e cantigas de ninar que não inspiram medo, aversão, ou castigos físicos. São cantigas delicadas e suaves que embalam as criancinhas na hora de dormir ou do colinho.
Na verdade o que as criancinhas precisam é de atenção, educação com limites, cuidados e muito carinho, assim tornar-se-ão cidadãos dignos de nossa sociedade.
Guilherme Del Campo
Cadeira nº 11 I Patrono Mario de Andrade