Entre azul e rosa, escolhi amarelo (vestindo uma roupinha azul)

Toda última quarta-feira do mês é meu dia de programa eu-comigo. Às vezes, eu falho, mas desde que eu criei essa “nova tradição”, tenho feito alguma coisa que eu quero fazer e que eu não precise levar ninguém junto. De vez em quando, um café no Starbucks; quando a dieta permite, um lanche no BurgerKing; muitas vezes, um filme no cinema com um balde de pipoca. E esse dia foi ontem.

Organizei todas as minhas responsabilidades do dia, tudo o que precisava que estivesse pronto para a quinta-feira, no trabalho, peguei minha bolsa, o celular e os óculos escuros. Entrei no carro e parti rumo ao shopping. Dos dois andares de estacionamento, parei no segundo: uma escada rolante a mais para subir. Café ou cinema? O que seria dessa vez?

O primeiro impulso foi ir até o cinema, ver o que estava em cartaz. E o susto: uma criançada, quase como uma manada desgovernada, ocupava a frente do cinema. Seria fila? Parecia mais a plateia do palco principal do Tomorrowland que uma fila. Consegui chegar até a bilheteria. Observei os títulos: tem um que me interessa muito, e começando em 5 minutos! Adoro aqueles personagens amarelinhos e atrapalhados, morro de rir, e foi esse mesmo que escolhi. Olhei o mapa dos lugares, sala quase vazia. Então, para que filme seria todo aquele movimento?

Apenas 5 minutos para o início da sessão. Não dá muito tempo pra ficar pensando em que outros filmes infantis poderiam fazer tanto sucesso, é hora de entrar na fila da pipo… Eita! A fila da pipoca está quase saindo do espaço do cinema e eu tenho menos de 5 minutos. Mas… O cinema pede pipoca. Vou para a fila. Não tendo muita coisa para fazer enquanto espero, observo uma fila que se forma na porta de uma das salas de projeção. Crianças irrequietas, a maioria meninos, que parecem muito ansiosos. Um olhar mais atento, para os acompanhantes: a maioria mulheres, aparentemente, mães. Nos olhares, transparecem um sentimento meio que de frango indo ao matadouro. Penso que nenhuma delas queria estar ali.

Meu pensamento retorna à fila da pipoca, que andou uns 4 passos desde então. Uma criança pede insistentemente a sua mãe que compre o combo de pipoca que dá direito ao kit dos carros. A mãe desconversa.

Carros. Descobri o que atraiu tanta gente para aquela fila: carros. É engraçado como há uma diferença de interesses, desde muito cedo, entre meninos e meninas. Diferença que transcende a idade, justificada pela cara de sofrimento das mães na fila do filme. Mais dois passos na fila da pipoca. Já deu o horário do meu filme e nem sombra de chance de chegar pontualmente ao meu lugar. Mas sempre tem os trailers, não é mesmo?

Voltando às mães da fila dos carros. Eu gosto de dirigir, especialmente se em rodovia, mas nunca me interessei em brincar de carro, acho. Pelo menos, hoje, ao escolher um desenho animado para ver, nem mesmo percebi que tinha algum filme de carrinhos. Atrás de mim, o menino insiste na pipoca do kit. Decido sair da fila e ir para minha poltrona, cuidadosamente escolhida o mais alto e o mais perto do meio da sala de projeção possível.

Sem. Pipoca.

Pela tela, passam trechos de filmes a estrear. Enquanto isso, meu pensamento volta para a questão dos carros. Dessa vez, acompanhados de princesas. Por que desde cedo aprendemos que carros e ferramentas são coisas de meninos e princesas e bonecas são de meninas? Eu naturalmente escolhi que queria uma Barbie de aniversário, ou será que eu copiei alguém? Será que o “você pode ser tudo o que você quer ser” é uma maneira do mundo enrolar as pessoas enquanto as moldam como querem, como no parque de diversões da história do Pinocchio, que vai transformando as crianças em burros de carga?

Mas eu,a primeira boneca que eu quis, não tive nas mãos. Réplicas, sim. Aquela, ninguém teve. É a prova que aprendemos a querer as coisas dentro de um padrão. Boneca. Mas o meu padrão talvez tenha sido um pouco diferente. Não, não era a Barbie que eu queria. Era a mais boneca das bonecas, aquela que tem, como primeira fala, a primeira linha que eu consegui ler inteira e sozinha: “estou com um gosto horrível de sapo na boca”.

Um vilão absurdamente ridículo surge na tela. O filme está começando. Suspiro alto: teria dado tempo de comprar a pipoca.

 

Denise Lícia de Oliveira Gasparini

Cadeira nº3

Patrono Francisco Nardy Filho