De Passos a Seresta
A tradição das serestas em Itu nunca perdeu a força, desde que surgiu, no início do século XX, pelas mãos do compositor Tristão Júnior, o Nhonhô. Ele introduziu esse gênero de música na rua, em homenagem a amigos, jovens moças da sociedade ou a instituições.
Depois da morte do Nhonhô, na década de 1930, continuaram seus amigos a tocar, na noite ituana, à janela de velhas casas e no alpendre dos casarões rurais, as valsas, as polcas e os tangos característicos. Alguns dos seus companheiros mantiveram os velhos serões com música de Itu.
Na década de 1940 surgiu o grupo Seresteiros do Passado, no qual estavam o meu avô Luís de Francisco, Manolo Santoro, Henrique Moretti, José Hipólito, Paschoal Liberatori, Nego Major, entre outros. Tocavam na rádio semanalmente. À véspera do aniversário de Itu, a prefeitura improvisava um coreto sobre uma carroçaria de caminhão, para que tocassem pelas ruas da cidade.
Assim foi por muitos anos. Depois os seresteiros foram desaparecendo, mas as partituras ficaram guardadas na casa do meu avô. Maria de Lourdes Sioli, nossa Acadêmica, então Secretária Municipal de Cultura, reuniu uns músicos e as nossas partituras, assim nasceu o Conjunto de Seresta Tristão Júnior. Desde então, regularmente ouvimos a música do Nhonhô. Também o Coral Vozes de Itu canta seresta no 1º de fevereiro, revelando os talentos dos seus cantores.
Lembro-me dos eventos musicais na rua; minha gente prestigiava o grupo dos Seresteiros do Passado. Diversas vezes os ouvi tocarem em nossa casa.
A residência dos meus avós, hoje Museu da Música, era (e ainda é) altar da Procissão de Passos que acontece no domingo de Ramos. Quando a procissão chega, junta gente devota, a casa fica cheia, as pessoas emocionadas ouvem o Canto da Verônica, aguardando as imagens do Senhor dos Passos e da Senhora das Dores que acabavam de se encontrar na Igreja do Bom Jesus.
Certa vez, eu ainda moleque, aguardávamos com ansiedade pela chegada do cortejo, porque o Coro da Matriz (e orquestra) iria cantar o quarto Motete de José Mariano (àquele tempo atribuído a Elias Lobo…). Mas logo após o motete – nem deu tempo da Verônica cantar – caiu uma forte tempestade. Lembro-me de, pela janela, ver passar correndo os dois andores. Metade da Procissão se escondeu com as imagens no Bom Jesus. Outros se dispersaram e muitos entraram em casa, sobretudo os músicos e cantores. Alojados na sala da frente, aguardavam pelo fim do aguaceiro.
Os músicos proseavam, lembrando os bons tempos de seresta. O animado José Hipólito soltou uma melodia no violino e assim começou uma animada seresta na sala da frente. Tocaram meia dúzia de valsas que as De Francisco e as cantoras da Matriz acompanhavam cantando. Ninguém precisava de partituras.
O espírito da procissão se desfez e a seresta tomou conta da casa e da rua.
Que saudade daquela gente!
Luís Roberto da Rocha de Francisco
Cadeira nº 30
Patrono: Tristão Mariano da Costa