Espaço Acadil: A senhora de Divinópolis
Luís Roberto de Francisco
Cadeira nº 30 I Patrono Tristão Mariano da Costa
Subimos o beco estreito e florido, em Tiradentes, ladeira utilizada para fotos cenográficas aos que se encantam com aquela cidade mineira do tempo colonial. Saímos em frente ao Centro Cultural onde ela iria falar. Não era programação de viagem, mas ficou a possibilidade de ouvi-la. Alguma coisa me dizia que o encontro seria interessante. Entramos, pedi ingressos, a jovem respondeu: “os últimos!” e nos deu dois bilhetes. No auditório, de fato, não havia mais lugares, absolutamente tomado. Ficamos em pé. Outra jovem nos alertou que não seria permitido permanecer ali, estava lotado; argumentei que entramos porque havia ingressos; ela foi tomar informações sobre o caso e o evento começou. Sentamo-nos no chão; a jovem voltou para tirar a gente dali, caso sem solução! Eu procurava pela senhora de Divinópolis, cuja palestra anunciada nos atraíra, mas não a via; eu abstraíra a “delegada” que se punha a nos expulsar. Em um instante ela foi anunciada, levantou-se da poltrona na primeira fileira, com outra pessoa e tudo se ajeitou: encontramos Adélia Prado que “nos cedeu” dois lugares bem pertinho daquele gigante em forma de mulher.
Na escola fui aluno regular, mas gostava de literatura. Nunca soube compor versos, mas admirava Vinícius de Moraes, Drummond e outros de seu tempo. Adélia não me conquistou pelas rimas, mas pela fala. Pequena, discreta, sotaque mineiro, falou da infância em Divinópolis, do silêncio das cidades pequenas, dos momentos da vida e da vontade de escrever; disse que o poeta tem um universo dentro de si e precisa comunicar. Falou das metáforas, da preocupação com o mundo que estamos deixando às próximas gerações; falou de Deus.
Eu pouco sabia dela, lera algumas crônicas, mas não imaginava que me marcaria tanto aquele encontro. Falou da mulher na sociedade, mas não era retórica sociológica… era humana. Falou do desprestígio, da brincadeira grosseira, da violência que vive nos pequenos gestos e da resposta que costuma dar aos homens: um silêncio incômodo para que se perceba a miséria do machismo.
Cada pessoa presente recebeu um poema que ela queria ler, para a gente acompanhar. Reconheci nele tanto da minha confreira Maria Aparecida Thomaz Alves, que o fotografei e imediatamente mandei pelo “zap”. Depois ela me revelou que Adélia era uma inspiração.
O encantamento com a prosa mineira foi geral. Alguns “causos” divertiram muito, mas fiquei mesmo impressionado foi com a mobilização dela sobre todos ali. Falou de desesperança e esperança, de ignorância e educação, exortou cada um a procurar o Deus que se esconde no interior da gente, independente de religião, e que pode se revelar em versos. No fim convidou-nos a rezar pelo mundo, pelos pobres, pela brutalidade, violência, armas, pedindo misericórdia.
Quando o encontro acabou e ela desceu do palco, eu a aguardava, beijei as suas mãos, agradeci, pedi a sua bênção e acho que saí melhor.
Pena a Adélia morar tão longe! Quem puder, leia a sua obra, assista entrevistas, afinal trata-se de uma intérprete extraordinária destes nossos tristes tempos.