Espaço Acadil: O rato e as reflexões sobre a incerteza

Na caixinha de surpresa a que chamamos vida, muitas coisas não são previsíveis e, às vezes, as surpresas nos disparam gatilhos que, como disse, podem levar à reflexão. O que vou contar é história real, ocorrida numa noite de sexta-feira. Aconteceu que acordei com meus cachorros em pé de guerra no andar de baixo da casa; o relógio apontava o fatídico horário das 3 da manhã em que, segundo os místicos, fenômenos obscuros ocorrem. Bom, não sou místico, de modo que deduzi rapidamente que os cachorros estavam à caça de algum bicho pela cozinha. 

Saí do quarto e caminhei pelo corredor em direção à escada. Quase não tive tempo de reagir quando notei uma sombra subir pelos degraus, passar por mim e entrar em meu quarto – cuja porta havia deixado aberta. Não precisei de esforço mental para saber que se tratava de um rato. Ótimo! Minha primeira dedução foi a de que ele se alojara debaixo da cama, o local mais óbvio. Agachei, observei, e, em seguida, ergui o móvel. Nada.

A segunda opção mais lógica era o guarda-roupa. Todas as portas estavam fechadas – ou quase todas. Uma delas, entreaberta devido a um probleminha na dobradiça, dava espaço o bastante para o intruso se esconder. Foi momento de retirar todas as roupas, esvaziar as gavetas, e, pasmem, nada!! O rato tinha evaporado!

Mas eu não ia desistir. Assim que amanheceu, revirei o cômodo. A missão era clara: encontrar o rato e tirá-lo dali. Para minha surpresa e raiva, nada do bicho. A dedução óbvia era a de que ele havia escapulido e ido embora. Mas como? O quarto ficara trancado, e ele não havia passado por mim!

O método Cartesiano e Bento Espinoza nos ensinaram que as respostas para as dúvidas mais capciosas estavam na dedução lógica. Ou seja, se ele não estava lá, tinha escapado. Mas meu cérebro está longe de ser cartesiano, e, apesar de ser fã confesso de Espinoza, algo me dizia que tinha coisa errada. O rato estava ali, ainda que tudo indicasse o contrário. 

Ruminei essa ideia ao longo de todo o sábado, cuidando para manter a porta do quarto sempre trancada. À noite, na companhia do meu filho, decidi, por uma última vez, fazer um tira-teima. Chamando os dois cachorros, abri a porta do guarda-roupa e, naquela feita, eles enfiaram os focinhos no móvel, ganindo agitados.  O rato ainda estava lá. Eu estava certo em minha intuição, e frustrado de ter razão.  Depois de quase uma hora de batalha, conseguimos enxotá-lo. 

Após o episódio, refleti sobre como é difícil, para nós, lidarmos com a incerteza. A angústia de um dia inteiro, somada à frustração de estar errado e, depois, de me ver certo ao localizar o rato. Nosso cérebro trabalha para que tenhamos a segurança da previsibilidade, mas, naqueles dias, o rato intruso havia me quebrado por completo. Nada fora previsível, desde a sua chegada até meu final de semana arruinado pela sua presença. 

Suspirei fundo. Um rato havia me ensinado uma valiosa lição. 

Paulo Stucchi
Cadeira Nº 29 | Patrono João Tibiriçá Piratininga