Espaço Acadil: Vida e morte do caipirês ituano

Leonardo Silveira
Cadeira Nº 37 | Patrono: Dr. Augusto César de Barros Cruz

Certa vez, no meio da aula, um aluno questionou minha origem, dado o sotaque. Respondi prontamente: sou ituano! A resposta não satisfez o freguês que argumentou que o meu modo de falar não era natural desta cidade. Retruquei, com a pachorra necessária, que o sotaque ituano está desaparecendo, o que justifica o estranhamento. Está desaparecendo porque, em um mundo cada vez mais globalizado, onde as diferenças regionais são suprimidas por padrões dos modos de viver, incluem-se novos modos de falar. O “R” retroflexo ainda persiste, mas não com a força de outrora. O “R” ibérico, que faz a língua tremer em palavras como “carro”, “roda” e “barro” é característico apenas dos moradores antigos, descendentes das velhas famílias do Vale do Tietê.

De onde veio esse nosso dialeto tão peculiar?

Uma breve digressão: sabe-se que os habitantes da Capitania de São Vicente (depois São Paulo), eram produtos da mistura de portugueses colonizadores com indígenas, moradores das plagas de Piratininga. Chamados mamelucos, falavam uma língua que pouco lembrava o português de Camões, mas muito semelhante ao jeito de falar de Tibiriçá e seus companheiros. E assim foi do século XVI ao XVIII, até que o famigerado Marquês de Pombal proibiu a “língua geral” (Tupi) em toda América portuguesa; prevalecia o português em detrimento dos inúmeros dialetos dos povos originários, massacrados em todos os aspectos da cultura.

Claro que o Tupi (e variações), era falado também em outras regiões. Porém, o caso paulista é bem particular, pois o convívio com os naturais da terra foi enorme e permaneceu por longo tempo. Assim, palavras contendo “L” no final sofreram corrupção na pronúncia: “final” virou “finar”, “mal” virou “mar”, e nomes como “Isabel” eram como “Isaber”.

A presença africana na região se acentuou no século XIX, quando o café demandou mão-de-obra escravizada. A influência dessa população se deu em palavras que perderam o “R” ou o “L” no final, como “cortá”, “finá” ou “comê”. Assim, o dialeto caipira foi se solidificando entre os habitantes do interior paulista, e também nas áreas historicamente influenciadas por eles: Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Paraná. Nessas localidades, até hoje, ouve-se o “R” retroflexo de palavras como “porta”, “carne”, “porco”, “firme”.

A migração de diferentes povos faz com que o jeito caipira de falar desapareça entre os mais jovens. Se o paraibano radicado em Itu passou a falar menos nordestino, os naturais da terra de Domingos Fernandes e Almeida Jr já não acentuam tanto o seu sotaque, às vezes parecendo cidadãos da capital ou de Campinas e Indaiatuba, que perderam o sotaque interiorano há muito tempo. Ao contrário deles, os moradores de Sorocaba, apesar de metrópole regional, conservam o falar dos antigos. Talvez seja exagero afirmar que o “caipirês” é sotaque morto. Mas que está perdendo espaço, infelizmente, está.

Diacho!