Impunidade acima de tudo
Por André Roedel*
Três semanas se passaram desde a catástrofe ambiental de Brumadinho, em Minas Gerais, e o sentimento é um só: impunidade. Mais de 300 pessoas morreram entre funcionários da Vale do Rio Doce e moradores do município mineiro – sendo que quase 150 corpos ainda nem foram encontrados – e os três poderes batem cabeça na busca por responsáveis. E, de concreto até agora, muito pouco foi feito. Engenheiros chegaram a ser presos, mas o presidente da mineradora, Fábio Schvartsman, insiste na tese do “acidente”.
Oras, um acidente é algo fora do controle humano e todas as evidências apontam que a Vale sabia do risco (inerente, inclusive) de rompimento da barragem. Participando de uma audiência na Câmara dos Deputados, em Brasília, na última quinta-feira (14), Schvartsman ainda protagonizou a lamentável cena em que congressistas se levantam em respeito ao minuto de silêncio em homenagem às vítimas, mas ele segue sentado como se nada tivesse acontecido.
A imagem, que circulou pelas redes sociais, é um retrato exato do Brasil após as recentes tragédias – e coloco na mesma lista a morte de 10 jovens atletas em um incêndio no CT do Flamengo e a morte de sete pessoas em decorrência das fortes chuvas no Rio de Janeiro. Depois das lamentações e do luto, cobramos atitudes das nossas autoridades, que começam a se tornar exímios investigadores de uma hora para outra. Aqui mesmo em nossa região, após o rompimento em Brumadinho, surgiram diversos vereadores e políticos sem mandato peitando órgãos competentes em busca de análises das barragens locais.
Seria muito bom e bonito se essas atitudes não fossem sucedidas da total inércia destes órgãos e dos próprios políticos. Na Câmara Federal começam a pipocar CPIs (comissões parlamentares de inquérito) para investigar o que ocorreu na cidade mineira, mas os analistas sabem que o real motivo não é nenhuma preocupação de fato com a tragédia e suas vítimas, mas, sim, frear qualquer investigação que possa ser feita pela oposição contra o atual governo.
Logo chegaremos a um mês, um ano, até uma década do ocorrido em Brumadinho e ainda não teremos julgado as responsabilidades das pessoas e empresas envolvidas na tragédia. E não é só nesse caso: não podemos esquecer da catástrofe semelhante em Mariana/MG e suas 19 mortes; o incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria/RS, e suas 242 mortes e por aí vai…
Somos o país que mais esquece de suas próprias tragédias e máculas históricas. Ignoramos o passado escravocrata, desdenhamos do período ditatorial, ignoramos completamente os acidentes, crimes e catástrofes que nos machucam dia após dia. Ensaiamos uma ação inicial, mas logo ignoramos e partimos para o próximo caso, e para próxima manchete… Afinal, essa é a nossa cultura: deixar pra lá.
Como bem disse o grande jornalista Ricardo Boechat em seu último comentário antes de sua inesperada morte – outro acidente que chocou o Brasil nas primeiras horas, mas que logo foi esquecido em virtude de uma nova tragédia –, “quando a gente chora, sofre, lamenta o fato ocorrido ontem, a gente parece estar anestesiado ou gostar da anestesia que nos faz esquecer desse fato tão logo surja o fato de amanhã, que terá o mesmíssimo tratamento”. Que essa última fala de Boechat possa nos levar à reflexão.
P.S.: Enquanto escrevia esse artigo, chegou a notícia de que oito funcionários da Vale foram presos por estarem “diretamente envolvidos na segurança e estabilidade da barragem”. É algo positivo, mas a sensação de impunidade ainda seguirá presente…
* É chefe de redação do Periscópio.
Ótimo artigo, completo e sensível!