Magnificat

“Tristes de nós que trazemos a alma vestida”
Fernando Pessoa
 

Quando li esse poema pela primeira vez tinha uns vinte e poucos anos.

Desde então, e lá se vão outros vinte anos, tenho-o como uma grande lição de casa: desvestir a alma.

Aprender a olhar para a vida com olhos de criança, cheios de esperanças e curiosidades por tudo. Como se nada tivesse visto antes. Ter a simplicidade infantil de acreditar, a cumplicidade com a fantasia criativa de reinventar o mundo a cada descoberta.

Ainda que aos tropeções, ao menos consegui desvestir-me do imemorial medo de… VIVER. Assim mesmo, grande, em maiúsculas.

Doeu? Bastante.

Decepcionou? Algumas vezes.

Mas é o preço ajustado para sentir-se gente de verdade, cumprindo um percurso maior do aquele que há entre a manhã e a noite de cada dia. Acreditar nos sonhos, ter a necessária solidariedade com o humano, ousar querer mais e enfrentar as batalhas, as de dentro e as de fora.

Desvestir os olhos de pré-conceitos e mirar para além das aparências, enxergar a essência que é realmente significativa. Com generosidade, ouvir nas entrelinhas palavras não ditas para compreender as demandas do desejo de cada um.

E, sempre, um pouco de misericórdia por nós, equilibristas de tantos sonhos e vontades, conflitos e ânsias em contínua busca de harmonia e realização.

O aprendizado é quase uma carpintaria, prática exaustiva. Não tem livros nem fórmulas; cada um tem que buscar seu próprio método, tendo como único guia a coragem no coração e os conselhos silenciosos da consciência.

Ainda bem que sempre se encontra parceiros pelo caminho, viajantes na mesma trilha, conforto e ânimo nessa jornada pelos subterrâneos da vida. São companheiros com quem podemos compartilhar as raras subidas aos céus das conquistas e as muitas quedas no abismo das incertezas.

Talvez essas linhas soem meio etéreas, e são mesmo. Não busco certezas nem respostas. Proponho uma inquietação permanente.

Grandiosa, humana e mutável.

Dolorosa, sempre a exigir correção de rumos e prumos.

Magnífica, ao trazer a experiência do olhar para os pés da alma.

Voltando a Pessoa, um grande viajador em suas muitas almas: “quando é que despertarei de estar acordado?”

 

Allie Marie Dias de Queiroz
Cadeira 25