Malandragem Carioca
J.C. Arruda
Não faz tanto tempo assim, quando o sonho de inúmeros brasileiros era conhecer o Rio de Janeiro. Eu mesmo fui conhecer o Rio quando tinha ainda 20 anos e me emocionei quando entrei no Maracanã para ver um jogo em que o Brasil fez 4×1 na Inglaterra. Foi uma partida amistosa e só sei que o ponta esquerda do Brasil era o Rinaldo que jogava pelo Palmeiras. Claro que, além do Maracanã, fui conhecer o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, Jardim Botânico etc.
Gostei tanto que, quando consegui comprar meu primeiro carro, viajava para Cidade Maravilhosa pelo menos três vezes por ano, levando em cada viagem um novo grupo de amigos, quase todos que também não conheciam o Rio de Janeiro. E todos voltavam encantados, mesmo porque a verdadeira violência que rondou os cariocas e turistas durante as décadas posteriores ainda não existia.
Era a época da malandragem carioca. Simplesmente malandragem. Era o conto do vigário, o taxista que ficava dando voltas com o passageiro fazendo duplicar o custo da corrida, era o batedor de carteira que levava o dinheiro do alheio, sem que este percebesse e assim por diante. Claro que tudo isso ainda acontece no Rio atual, mas o assalto à mão armada, o tráfico, os sequestros ainda eram coisas que não existiam como ocorre atualmente.
Ah, já por aquele tempo, existiam no Rio, os flanelinhas. Só que diferentes dos atuais que proliferam por todo Brasil, cobrando para “olhar” os veículos estacionados na via pública e deixando sempre uma ameaça no ar para que os mesmos não sejam roubados ou danificados por algum vândalo. No Rio, os flanelinhas se dispunham a tomar conta dos carros, mas tão logo os proprietários se afastavam, eles vinham com baldes, escovas e, literalmente, lavavam os veículos, deixando-os brilhando. Quando o dono retornava, não era incomum algum bate-boca, em se tratando de algum turista, principalmente paulistano, pois em São Paulo o guardador se contentava com uma moeda, enquanto que o flanelinha carioca cobrava dez vezes mais pela lavagem. Afinal, ele havia olhado e… lavado o veículo!
Bem por isso, quando o famoso Zé Linguinha, saiu de Itu junto com mais três amigos para ir ao Rio ver a decisão do campeonato carioca, já foi preparado para não cair na lábia da malandragem carioca. Chegando lá, deixou o veículo no estacionamento do Hotel Payssandu no Flamengo e os quatro fizeram todos os programas em táxi ou lotação. Na noite de Domingo, de propósito, deixou o veículo estacionado na frente do hotel. O carro estava mesmo sujo de poeira e lama. Aí, inverteu a situação.
Ao invés de ser procurado por algum flanelinha, Zé Linguinha procurou um que estava mais próximo e foi propondo: – “Cuide do meu carro. Amanhã, nós vamos partir as 10 horas e pode ficar tranquilo que vou te dar uma nota”. O guardador ficou vibrando: – “Nunca foi tão fácil…” Os três companheiros de Linguinha que já conheciam a fama do amigo de ser um dos mais malandros de Itu, ficaram cada um na sua, pensando no que ia dar aquilo.
No dia seguinte, Zé Linguinha acordou a todos antes das 8 horas da manhã, tomaram café, arrumaram a bagagem, pagaram a conta e desceram para pegar o carro. Era ainda, 9 horas. Os três companheiros já tinham percebido a jogada de Linguinha: marcou com o flanelinha as 10 horas, mas iria fugir antes. Já estavam todos no carro, quando Linguinha engatou a marcha e partiu calmamente. Só que, nesse exato momento, percebeu que o flanelinha vinha correndo para chegar a tempo. Quando se aproximou do carro já em movimento, o guardador vinha resfolegando e gritando: – “Ô malandro! Você não prometeu que ia me dar uma nota?”
Zé Linguinha tirou as duas mãos da direção e acenou com ambas para o flanelinha, também gritando:
– Nota dez, nota dez porque você merece!
E acelerou para nunca mais ser alcançado…