Mesmo maioria no ensino superior, jovens negros ainda lutam por um espaço maior
Por André Roedel e Nayara Palmieri
No último dia 13 de novembro, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou que, em 2018, no Brasil, os pretos ou pardos passaram a ser 50,3% dos estudantes de ensino superior da rede pública – os dados da rede privada não constam. Porém, como formavam a maioria da população (55,8%), permaneceram sub-representados.
Além disso, entre a população preta ou parda de 18 a 24 anos que estudava, o percentual no ensino superior aumentou de 2016 (50,5%) para 2018 (55,6%), mas ainda ficou abaixo do percentual de brancos da mesma faixa etária (78,8%). Os dados são do estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil.
Para o estudante de História Matheus Bandeira, 23 anos, o aumento de negros nas universidades é notável, “mas ainda longe do ideal”. Para ele, que é negro, essa diferenciação se intensifica com a desistência de muitos devido a uma base de ensino mais fraca e também à sensação de “não pertencimento ao local”. “Cada jovem negro, como eu, que persiste é um ato de resistência e mais um a ocupar um espaço”, relata o jovem.
Na família de Matheus, ele é o primeiro a ter entrado em universidade. “Quando você vem de periferia ou não tem em sua família pessoas que se formaram, é um marco e uma conquista, a pressão por uma não desistência é ainda maior. Não existe aquela possibilidade de ‘fazer o que ama’, mas sim de lutar pelo que dá”, prossegue.
Maria Clara de Barros, 21 anos, estudante de Publicidade e Propaganda, achou importante a estatística divulgada pelo IBGE. “Traz um alívio e ao mesmo tempo dá mais força para continuarmos nessa caminhada, lutando por esse espaço que também é nosso, mas que infelizmente ainda não é a realidade para muitas pessoas negras, por conta da desigualdade social”, conta a jovem, que, diferente de Matheus, teve outros familiares em faculdades.
“A gente que vem de uma família humilde sabe o quanto é importante e libertador poder ter a oportunidade de estudar, de ter um diploma na mão. Meus pais não tiveram essa oportunidade, então eles fizeram de tudo para que eu conseguisse ter, para ter uma vida melhor, oportunidades de empregos melhores, ir além do que se é esperado de uma pessoa negra. E principalmente para não precisar passar pelo o que eles já passaram nessa vida. Só o ato de estar estudando em um ensino superior, mesmo que em universidade pública ou privada, é um ato político, é uma resposta que eu estou dando para a sociedade: ‘Eu estou aqui, mais pessoas iguais a mim também estão, e muitas mais estão para chegar’”, afirma.
Cotas e racismo
Para os jovens, a política de cotas é excelente. “Reparação histórica”, nas palavras de Maria Clara. “Depois que os negros se libertaram da escravidão, o que nos foi dado? Nada. Não tínhamos estudo, um bom emprego… Ficamos às margens da sociedade. E como é que um povo que foi escravizado por 400 anos vai conseguir ter as mesmas oportunidades se foi negado a eles o básico, o principal para se ter uma vida digna?”, questiona a jovem. “As cotas vieram para ajudar a reparar um pouco toda essa desigualdade, e se engana quem acha que elas servem para diminuir pessoas negras e pardas”.
Além das cotas, Matheus cobra melhor formação para os jovens negros. “O grande entrave da questão é a equidade em relação a concorrência. É importante sim, mas que haja uma melhor forma de preencher tais espaços, é lutando por equidade na formação destes jovens, seus contextos desde a educação básica”, argumenta o estudante. “Uma concorrência justa limitaria as diferenças”.
Nem Maria Clara e nem Matheus relatam terem vivido situações latentes de racismo na faculdade. “Felizmente nunca presenciei no meu curso algum ato racista, mas infelizmente não posso falar só pela minha vivência. Nós sabemos que o racismo estrutural existe em nossa sociedade e que ele precisa ser combatido diariamente”, afirma a jovem.
“Na minha atual instituição não presenciei; inclusive há um discurso contra tais atitudes. Em uma instituição anterior que estudei, era visível uma certa ‘diferença. Éramos estudantes de ensino técnico de um programa do governo, tínhamos inclusive uma carteirinha diferente, e em algumas situações ficávamos esperando um tratamento diferente”, comenta Matheus.
Maria Clara demonstra esperança por novos tempos. “A desigualdade existe, e ela precisa ser combatida e quando você vê essas pessoas com culturas diferentes se apoderando de seus lugares, é lindo, né? Dá até uma emoção, porque a gente entende que a gente pode ter muito mais do que nos foi dado”.