Na poltrona azul

São duas horas da manhã e ela se senta, talvez em seu lugar favorito da casa, a poltrona azul ao lado do aparador de vidro, no canto da sala de estar. Ainda não vestira o pijama, lutava contra o sono na esperança de terminar seus versos. As palavras fugiam, e ela, teimosamente, continuava ali na poltrona azul.

Não acendeu a vela, porque não queria passar a impressão de estar confortável demais. Não queria dar-se por vencida. Já era hora de estar dormindo, ainda mais se ela queria levantar cedo no outro dia. Tinha se comprometido em correr, por pelo menos três quilômetros, todos os dias, na expectativa de emagrecer pelo menos um número no jeans. Ah! como são efêmeras essas expectativas femininas, quando decididas em fins de novembro para o projeto verão!

A lata de cerveja, apoiada no vidro do aparador, desmente a chama apagada da vela: estava muito confortável. Desmente também seu comprometimento com o projeto verão, definido na última segunda-feira. A latinha, apoiada no vidro, demonstrava, ao invés, todo o seu comprometimento com o momento: agora, tudo o que ela queria era estar ali, na poltrona azul, seus versos, a lata de cerveja.

A cerveja gelada marcava o vidro e amanhã ela terá que limpá-lo novamente. Mas nesse momento não era um problema. Tem um caderno nas mãos. E uma caneta de tinta roxa. E nada mais importa, a não ser os versos que ali escreve, no conforto da poltrona azul.

A poltrona azul é um refúgio, e nele tudo parece estar indo bem. Olha ao redor. Vê a toalha da mesa torta: não acredito que deixei essa toalha mal colocada, logo hoje, que tinha visitas! Mas já foi. Tudo foi. Agora era só ela, a poltrona, o aparador, o abajur aceso e a lata de cerveja.

Um breve momento de olhos fechados, e logo os olhos pairam sobre a fruteira que tinha apoiado sobre a mesa. Uma carambola solitária descansava na fruteira. Certamente, ela já tinha se despedido de duas nêsperas, um papaia, um kiwi. Como teriam sido seus últimos diálogos? Haveria alguma hierarquia? Frutas de café-da-manhã, talvez mais importantes que as de lanche da tarde, ou mais nobres que as de fazer doce. Doce, fruta. Será que fruta também acha que fruta não é sobremesa? Aparentemente nada daquilo incomodava a carambola. Ficara ali, sozinha, a fruta com a estrela em si, a última a ser escolhida. Mas ela também não se importa. Como a estrela de si mesma, descansa, solitária, na fruteira, sob os olhares dela, que num sábado à noite, sentada na poltrona azul, rende-se ao sono, imaginando os pensamentos e a solidão da carambola.

                                                        Denise Lícia Boni de Oliveira

                                                        Cadeira nº 3

                                                        Patrono Francisco Nardy Filho