NO TEMPO DOS ESTILINGUES
Ontem me lembrei dos nossos estilingues,chamados de atiradeiras, baladeiras, bodoques…Pequena arma de arremesso carregada por todo moleque da minha época, cujos bolsos viviam abarrotados de seixos de rio, bolotas de barro cozidas ou pequenas pedras. Também usávamos os frutos verdes da mamona que chegavam a grudar na testa dos oponentes, devido aos espinhos. Alguns mantinham em sua munição bolas de gude, todavia esse projétil era perigoso e podia provocar acidentes graves.
Serviam para caçar passarinhos ou para se defender dos rivais. Não havia menino que não carregasse seu estilingue ao perambular pelas ruas ou na zona rural. A molecada que seutilizava dos estilingues eram garotos entre sete a doze anos de idade e não era permitido entrar com eles nas escolas.
Para se conseguir construir uma atiradeira bastava uma forquilha de goiabeira, a mais utilizada. As peças precisavam ser perfeitas, em forma de “Y”. Depois bastavam duas tiras de elástico obtido cortando câmaras de ar ou “tripas de mico” utilizadas nas farmácias para aplicar injeções. Cada uma era presa na forquilha e, na outra extremidade, fixa na malha, uma pequena peça de couro flexível ou pano grosso que servia para acolher a munição.
Colocava-se o projétil e esticava-se o elástico, fazia-se a mira e disparava o artefato. Em casa não havia problemas, tínhamos duas goiabeiras e vivíamos escolhendo as forquilhas mais adequadas.
Além disso os meninos treinavam a pontaria e ficavam craques na arte de atirar e acertar os alvos com precisão. Chegavam a derrubar mangas maduras, entre outras frutas.As mães deploravam essa prática, o peso dos projéteis furavam os bolsos das calças, que precisavam ser costuradas.
Nem sempre acertávamos o alvo pretendido e não eram só os passarinhos que sofriam com os moleques dos estilingues. Gatos que nos importunavam à noite,miando sobre muros e telhados,também eram vítimas dos disparos.
Certa ocasião eu e meus amigos resolvemos passear num bairro desconhecido. Estávamos em cima de um barranco, quando moleques moradores do local nos identificaram e chamaram seus companheiros. Da estrada (de terra) começaram aarremessar pedras com seus estilingues para nos atingir. Imediatamente revidamos e aí eles chamaram mais combatentes. Ao ficar debaixo de uma saraivada de pedras,batemos em retirada.
Curiosamente vêm-seatiradeiras de plástico em lojas de brinquedos. São frágeis esua forquilha é grande earredondada. Issodificulta a pontaria e descaracteriza a peça original. A tarefa de escolher forquilhas e construir estilingues está quase abandonada, mas ainda é utilizada,principalmente na zona rural.
Hoje não existe mais essa infantil atividade de construir seus próprios brinquedos e a inconsequente ideia de matar pobres e inocentes aves.
Guilherme Del Campo
Cadeira nº 11
Patrono Mario de Andrade.