O acidente com o Edifício Wilton Paes de Almeida poderia ser evitado?
Por Valdirene da Rocha Pires
Muito se tem falado (na mídia e nas redes sociais) sobre o incêndio que levou ao desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, localizado no Largo do Paissandu, em São Paulo. O incidente que deixou, segundo informações dos noticiários, 146 famílias desabrigadas e pessoas ainda desaparecidas, marcou o dia 1º de maio, data em que se comemora o dia do trabalho no Brasil.
Entre os diversos tipos de comentários e leituras sobre o acidente, é possível encontrar, por um lado, opiniões que culpabilizam as famílias e o próprio movimento de luta por moradia por terem ocupado o prédio sem a priori, condições de habitabilidade e, por outro, os que conseguem ler nesta tragédia a real situação da ausência de condições ao acesso à moradia pelas camadas mais pobres no país.
Mas o que leva estas famílias a ocupar um prédio supostamente condenado? Por que elas não foram morar em outro local, mais seguro?
Diante de tantas especulações acerca do que poderia ter sido feito para evitar o acidente, ou ainda, quem seriam os culpados, o que se pode considerar é que a ocupação do Edifício Wilton Paes de Almeida, e de tantos outros imóveis ocupados de forma precária em diversas cidades do Brasil, é um reflexo da formação social desigual histórica do Brasil. E, sim, os desdobramentos deste quadro de desigualdade levam milhares de famílias a, como única alternativa, ocuparem espaços com pouca ou sem nenhuma condição de morar. Isso não é uma escolha, mas a falta dela!
Assim como a alimentação e a saúde, a moradia é uma necessidade humana, pois, além se ser um abrigo, é também um local de identidade e privacidade. Nesse sentido, a ocupação do Prédio no Largo Paissandu materializa a luta por espaço, como forma, ainda que precária, de suprir uma necessidade humana. Esta forma de ocupar vazios urbanos é também meio de se efetivar um direito garantido tanto na Constituição Federal de 1988 quanto no Estatuto da Cidade: trata-se do direito à moradia.
Ocorre que o direito de morar não se resume apenas a ocupar ou fazer o uso de uma unidade habitacional. Outras necessidades devem ser supridas, como o acesso à água tratada, à energia elétrica, ao transporte, às políticas de saúde e de educação. Em uma situação de ocupação, esses itens também tendem a ser providos de forma improvisada. Como, por exemplo, ligações “clandestinas” de rede energia elétrica que, por sua vez, tendem a causar incêndios. Teria sido este o motivo que levou o desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, localizado no Largo do Paissandu? Parece ser uma das hipóteses.
O déficit habitacional no Brasil é um problema estrutural, pois diz respeito ao modo como, historicamente, se deu o uso e a ocupação do solo, bem como a produção de moradias nas cidades brasileiras. Em detrimento do uso social do solo, as cidades brasileiras são planejadas como grandes centros comerciais e não como espaços a serem vividos por aqueles que a habitam. As cidades são planejadas sem considerar políticas habitacionais e outros serviços públicos, como saúde, educação, transporte, entre outros, que de fato atendam a demanda dos cidadãos. Neste cenário, o solo e a moradia são meras mercadorias, cujo valor não está ao alcance da maioria das famílias, principalmente as de menor renda.
Se a questão é como evitar este tipo de tragédia, teríamos de debater a urbanização no Brasil e indagar o porquê de poucos terem muito e muitos terem tão pouco para viver. Mas, em poucas palavras, podemos afirmar que só quando a moradia deixar de ser vista como um bem, uma propriedade, objeto de especulação e garantia de lucro, e passar a ser considerada, tanto pela sociedade quanto pelo poder público, como um direito básico, e que este tipo de tragédia será, quem sabe, reduzida.
Isto significa que acidentes como o que ocorreu com Edifício Wilton Paes de Almeida podem ser evitados se a população tiver outras alternativas de moradias nas cidades onde vivem. Ocupar não é crime, ocupar um abrigo/uma moradia é uma necessidade humana!
*Valdirene da Rocha Pires é professora do curso de Serviço Social do Centro Universitário Internacional Uninter.