O Pedro da Cabra
Quando meu filho caçula nasceu evidentemente eu tinha que lhe dar um nome. Quando decidi por Pedro, as pessoas me avisaram: ‘prepare-se’. Não vai ser mole, não. Tudo porque os Pedros são famosos por serem milongueiros, jeitosos, sedutores, enroladores, embromadores e assim por diante. O meu Pedro é um pouco de tudo isso, mas tem me feito muito feliz, juntamente com os outros dois irmãos dele. Porém, eu conheci no tempo de escola um Pedro Cabra, na verdade Pedro de Souza e que ganhou esse apelido porque tinha uma cabra como mascote. Começou por aí. Naquela época eu já conhecia outros Pedros como por exemplo Pedro Goiva, Pedrinho Picareta, Pedro Lombriga, Pedro Gata, etc e tal.
O Pedro Cabra estudava em minha sala no Cesário Motta. Enquanto toda classe tinha entre 8 e 9 anos, ele já chegava aos 13 anos. Era o rei da repetência, mas amigo de todos nós. Maior, fisicamente, nos protegia das provocações dos alunos do Terceiro e Quarto anos. Claro que não era dos mais inteligentes. Em compensação tinha uma presença de espírito das mais afiadas. A nossa professora era a temível Dona Rosália, filha do Maestro de banda José Vitório. Virou e mexeu nos enchia de tapas, reguadas, puxões de cabelo, beliscões e os chamados ‘croques’ na cabeça.
Uma vez a classe inteira foi visitar o Museu Republicano. Na sala reservada aos móveis e utensílios pertencentes a Prudente de Moraes já estávamos todos meio cansados, quando Pedro Cabra viu uma cadeira de palhinha, daquelas que balançam. Não teve dúvidas: sentou-se confortavelmente na mesma. Quando a Secretária do Museu, a professora Maria Antônia Sampaio viu a cena, correu até lá e ralhou com ele: – “Levante já daí menino, essa cadeira é do grande Prudente de Moraes!” E ele, rapidamente: – “Pode ficar tranqüila dona, quando ele chegar eu saio”. Mal falou, levou um tapão na orelha com o carinho costumeiro da mestra Rosália.
De outra feita, estávamos em prova oral do segundo ano, quando a própria professora Rosália lhe perguntou: “Pedro, diga-me o nome da tribo cujos índios comeram o bispo náufrago Dom Fernandes Sardinha” A resposta veio em cima: – “Puxa professora, eu nem sabia que o bispo era uma bichona…”. Uma reguada na cabeça que estalou pela classe inteira foi a providência da severa mestra. Outras semelhantes a essas ele aprontou e sempre acabou castigado. A maioria dos alunos foi para o Terceiro ano, depois para o quarto, diplomou-se do primário e o Cabra ainda estava no Cesário Motta quando nós deixamos a Escola e partimos para o Ginásio. Só tornei a vê-lo alguns anos depois quando ambos já éramos moços.
O Pedro Cabra ainda era praticamente o mesmo. Espirituoso, gozador, quase um filósofo. Já tinha se casado e separado. Nesse tempo já dizia: “ – A melhor arma para enfrentar uma mulher numa desavença, é um chapéu. Você pega, põe na cabeça e some do local”. Também costumava dizer: “- Quando se ama uma mulher feia, esse amor se torna cada vez maior, porque a feiura dela, pode crer, só vai aumentar com o passar do tempo”. Quem ouvia essas filosofadas do Pedro Cabra perguntava se ele tinha alguma coisa contra o sexo feminino. Ele respondia que não. Que era, inclusive, a favor sempre de uma família numerosa. Que cada homem deveria ter pelo menos três mulheres ao mesmo tempo.
Não me lembro quando mas, novamente perdi o contato com Cabra por muitos anos. Só fui reencontrá-lo há pouco tempo ali na Lanchonete Tonillu do centro de Itu, onde existe um banco bem na frente da porta que os próprios usuários apelidaram de “Estação de Embarque”. Acontece que a maioria que costuma sentar-se por ali tem mais de 60 anos e, de vez em quando, um parte para o andar de cima, ou seja, vai visitar Nosso Senhor. Então é comum que a conversa entre os freqüentadores gire sobre assuntos que lhes dizem respeito: “Você defecou esta semana?” indaga um para outro. O outro responde: “Defequei ontem, finalmente, mas faz quinze dias que estou sem urinar.” Em seguida quer saber de um terceiro: “– E as suas pernas, melhoraram do reumatismo?” Ao que este responde: “Piorou, isso sim. Agora até mesmo as costas estão reumáticas.”
Estava Pedro Cabra ali e ainda não havia me visto. Ele estava atento a conversa dos ‘coroas’, que também o reconheceram. Foi quando Pedro saiu com a dele:
“ – Vocês ficam reclamando de uma coisa ou de outra, da idade avançada, de lembranças e de dores, mas eu não tenho muito do que me queixar. O meu organismo, por exemplo, funciona como um relógio. As cinco e meia da manhã, impreterivelmente, funciona a minha bexiga. Às 6 e meia, infalivelmente, funcionam os meus intestinos. Às 7 horas em ponto… eu acordo!”