Oficina do pardal
J.C. Arruda
Mecânicos de automóvel, borracheiros, profissionais de auto elétricas etc, formam uma categoria de trabalhadores que tem suas próprias peculiaridades. Por exemplo, a maioria deles gosta e joga bem o truco. Dificilmente se vê um mecânico jogando pôquer. Grande parte deles também, não dispensa uma branquinha, depois do trabalho, antes de voltar para casa, embora também tomem umas cervejas. Mas estas, mais nos fins de semana. Também não é só nas borracharias que a gente vê aquelas mulheronas peladas no calendário da parede. Afinal quem é que não gosta? Futebol então, nem se fala! E se não estou enganado, eles se dividem na torcida pelo Palmeiras, Corinthians e Santos. Parece não haver muitos simpatizantes pelo glorioso Tricolor do Morumbi.
Interessante também é a relação desses profissionais com os proprietários de veículos. Cada proprietário, com o tempo, vai se tornando fiel ao seu profissional. Cada um deles só vai no “seu” mecânico, no “seu” borracheiro e no “seu” auto-eletricista. Porque, ao longo dos anos, sempre houve alguma desconfiança. Deixava o carro para consertar o pneu e, quando voltava para buscar, tinham trocado a câmara. E não havia como discutir, pois junto com a nota, vinha uma câmara velha e toda furada que havia sido retirada do pneu. E quando trocava a bomba d´água, então no mecânico? Lá vinha a bomba velha, junto com a fortuna mostrada na nota fiscal. Assim, o jeito era cada um ter o “seu” profissional. Como se fosse um médico.
Também tinha uns termos que só eles conheciam. Por exemplo, chamar de Pau-Véio, qualquer veículo que não fosse novo e estivesse em más condições. Ou então de “Pois é” quando o Pau-Véio fosse um “Fusca”. E havia outros termos que ficaram famosos entre eles, quando tinham que explicar um conserto, sendo o dono do veículo do sexo feminino.
Bastava justificar que o trabalho fora difícil porque o problema era a “Rebimboca da Parafuseta”. Ou então seria a “Cruzeta da Grampola” que estava travando. Diante dessas justificativas, só restava à infeliz proprietária abrir a bolsa.
Mas, quando Erasmo Pardal, montou sua própria mecânica ali na Avenida Marginal, todos já sabiam que ele teria sucesso, pois, além de excelente mecânico, entendia também de eletricidade automotiva e tinha uma legião de clientes, todos herdados da Oficina do Corazza que havia fechado as portas na Rua 7 de Setembro, vizinho da Cooperativa Agrícola. Pardal foi excelente aluno do mestre Roque Corazza e funcionário por mais de 15 anos. Assim, quando montou a pequena oficina na marginal, nunca teve falta de serviço.
Tanto que logo precisou instalar um telefone para atender a clientela e buscar uma moça para ser a telefonista. Veio até o Periscópio, fez um anúncio e, na segunda-feira, tinha dez candidatas para a função. Contratou Dolores sem fazer testes, sem experiência, mais pelo jeitinho humilde e doce da moça que, além de tudo, se declarou evangélica.
No dia seguinte, lá estava ela toda cândida e esperançosa de dar sua contribuição para o progresso da oficina. Por volta das 10 horas toca o telefone. Era o primeiro atendimento que iria fazer.
– Alô, pois não, é da Oficina do Pardal. Em que posso servir?
– O Pardal está por aí?
– Não, meu senhor, ele foi ao banco, mas retorna daqui a pouco.
– Então fala prá ele que quem telefonou foi o Otávio aqui do Rancho Grande. Ele sabe quem sou. Fala que estou com problemas com o meu Pau-Véio e preciso que ele venha aqui prá fazer uma chupeta.
Dolores, bateu o telefone e foi para casa. Não voltou a tarde para trabalhar e nem nos dias seguintes…