Pavão Real x Melindrosa
J.C. Arruda
O carnaval de rua em Itu, atualmente, não chega aos pés dos carnavais de outros tempos. Havia os Cordões que eram as nossas escolas de samba, com suas alas organizadas e divididas. Na frente iam os balizas que faziam as acrobacias, quase todos trazendo um bastão de madeira nas mãos, geralmente adornado com fitas coloridas, mais ou menos como aquelas meninas fazem hoje em dia quando desfilam nas escolas, no Dia da Independência. Eles eram um tipo de abre alas para facilitar o desfile do Cordão e, no malabarismo com os bastões, sempre davam um jeitinho de forçar a assistência a recuar para a calçada, deixando a rua livre.
Depois vinham os passistas e as cabrochas, vestidos a caráter, tanto eles como elas escolhidos pela boa aparência de cada um. Eram os enfeites do Cordão. A ala da baianas já existia desde aquele tempo, com características das baianas atuais das escolas de samba: geralmente as mulheres mais maduras, casadas, mais gordinhas e assim por diante. Raros nos Cordões, eram os carros alegóricos. Quase não existiam. Em compensação o povo aguardava com ansiedade, no final do Cordão, a apresentação do Rei e da Rainha, geralmente escolhidos a dedo, por ser o casal mais bonito, simpático e luxuoso do desfile. Tinham até mais importância do que o mestre-sala e a porta-bandeira, estes que nem todos os Cordões tinham. Para encerrar vinha a bateria que então era chamada de batucada.
Os mais antigos se lembram dos grandes Cordões de Itu: O Paz e Amor que tinha o comando de “Oscarlão Pantera”, pai do famoso goleiro Mão-de-Onça; o Flor da América, cujo chefe era uma mulher negra e autoritária chamada “Maria de Issac”, grande rival do Paz e Amor; depois veio o Colorado, organizado por uma comissão, da qual faziam parte Aparecido Pintor, Cardó, Viramundo e outros.
Mas, em paralelo com os Cordões, desfilavam os chamados blocos que tinham menos participantes e menor organização. Havia os Pescadores da Vila Nova, capitaneados pelo vereador Isaias Prieto; os Índios do Bairro Alto organizados por Pedrinho Servilha, Leopoldo Trombini, Bola Sete, etc.; o mais famoso e que sobrevive até hoje era o Bloco do R, que teve início com o nome Bloco da Ralé. Esse bloco mudou de nome porque no fim passou a ser integrado pelas pessoas de elite da cidade: médicos, engenheiros e advogados. Talvez nem todos se recordem que tinha também o Bloco das Bichas que começou com os travestis de Itu e depois começou a atrair os de outras cidades: Salto, Campinas, Sorocaba e até da capital.
Dentre os que desfilavam nesse bloco, se destacavam dois deles: um chamado Amadeu que era copeiro do Hotel Marabá e outro conhecido por Bezerrão que era da capital. Bezerrão se destacava por ser rico e pelas fantasias luxuosas que exibia. Amadeu era conhecido em toda a cidade por ser muito simpático e profundamente simplório. O seu jeito caipira de falar, acabava conquistando as pessoas. Num dos desfiles, Amadeu com fantasia de “Melindrosa” começou a receber mais aplausos da plateia do que Bezerrão o qual estava majestoso como “Pavão Real”. Foi o que bastou para que ele começasse a obstruir o caminhar de Amadeu, colocando-se sempre a frente da Melindrosa, atrapalhando a visão do povo. Até que, em determinado momento, ambos se pegaram a tapas para delícia do público. Porém, como tudo que é bom dura pouco, a polícia interveio e acabou levando os dois para a delegacia onde foram recebidos pelo enérgico delegado Doutor Abrantes. Este, talvez percebendo a diferença social dos dois briguentos, foi logo pra cima do Amadeu:
– Então vocês dois são bichas declarados?
E o Amadeu, humildemente:
– Nóis semo, doutor delegado!
E o Doutor Abrantes falando mais grosso e alto:
– NÓS SOMOS!
Aí o Amadeu, ainda mais humilde:
– Descurpe, seu delegado. Não sabia que o senhor era tamém.