Pedro Cabra e o trem
J.C. Arruda
A nova avenida Galileu Bicudo foi construída no percurso onde ficava, há anos, o leito da linha de trem do Ramal da Ituana. Esse ramal, em seu traçado derradeiro partia de Mairinque, passando por Itu até Itaici, de onde seguia para Campinas ou Jundiaí. O ramal foi inaugurado em 1873 quando estava sendo realizada a “Convenção Republicana”, que entrou para a história do país. Só que, com o passar dos anos, Itu cresceu e a linha do trem acabou ficando praticamente dentro da cidade.
Quando vinha um trem muito comprido, com 20 vagões e até mais, chegava às vezes a impedir o trânsito, tanto defronte a Praça da Estação, onde ficou depois o Restaurante Colombo, como na Rua 21 de Abril, ao lado da Tecelagem São Pedro. Quando isso acontecia (e não era raro!) aborrecia muita gente. As pessoas que estavam na feira-livre do Bairro Alto, por exemplo, ficavam ilhadas, sem poder voltar para o centro da cidade. Houve uma senhora que, indignada, pediu a ajuda de feirantes para passar com a sacola de compras, entre um e outro vagão. Com apoio dos rapazes, subiu no engate do trem e preparava para passar para o outro lado da linha. Nesse momento, o trem apitou e partiu e lá foi ela aos gritos até a estação de Salto, onde foi socorrida. Tomou um táxi para retornar a Itu, mas não sem antes esbravejar com tudo o que era funcionário da ferrovia.
Também, na entrada da Avenida da Saudade, defronte o Restaurante Colombo, o trem estacionado causava transtorno porque todos os cortejos de sepultamento passavam por ali e naquele tempo, o caixão do morto era carregado no “muque” pelos participantes. Certa feita, ocorreu que o enterro de um senhor muito gordo estava sendo realizado e, em volta do caixão, havia um rodízio meio que urgente para segurar nas alças do mesmo, pois o peso era muito. Quando chegavam perto da linha, apareceu o trem chegando. Aconteceu que uma parte dos presentes comandava “vai rápido”, enquanto outra parte gritava “não vai não, deixa o trem passar primeiro”. No fim, o pessoal que segurava o caixão passou, mas a maioria dos acompanhantes, acabou ficando. Pior é que o trem demorou à beça para passar. Quando passou, restou uma cena insólita, com os 8 que seguravam as alças, sentados em cima do caixão, no chão, esperando o resto do enterro para ajudar na sofrida tarefa.
Estes dias me contaram outra passagem, envolvendo a figura do Pedro Cabra, meu malandro favorito que viveu muito tempo em Itu, mas agora com quase 70 anos reside em Utucupira, uma cidadezinha que fica na divisa do Brasil com o Paraguai. Cabra era na verdade o bom malandro. Gostava de jogar baralho, não era de frequentar igreja, era adepto de uma cachacinha (aliás, de muitas cachacinhas…), frequentava o Bilhar do Ataliba. Não gostava muito de trabalhar, porém gostava muito de mulheres. Mas, no fundo, era boa praça estimado por todos.
Dizem que ele saia um fim de tarde do Restaurante Colombo e já estava “mais prá lá do que pra cá”. E não há de se ver que, ao atravessar a linha do trem, acabou ficando com o pé preso entre dois trilhos. Vira daqui, puxa dali e nada do pé se soltar. Prá complicar tudo, ouviu o apito do trem que estava partindo. Percebeu que o maquinista estava distraído. Aí, começou a entrar em pânico: – “Ai, meu Deus, me ajude”. Puxou o pé com toda força e nada. Ouve outro apito. Já com os olhos em lágrimas, implora: – “Meu Deus me ajude a tirar o pé que vou passar a frequentar a missa todo domingo”. Nada aconteceu. E o trem cada vez mais perto. Ele ergue as mãos para o céu: – “Por favor, meu senhor, se me livrar dessa, prometo que não ponho nem mais uma gota de álcool na boca”. Começou a juntar gente em volta do local e, nessa altura, Pedro Cabra já estava sentindo o trilho tremendo. Ele não resistiu e começou a gritar em desespero: – “Senhor me ajude que eu prometo não transar nunca mais com mais ninguém, em minha vida”. De repente, ele dá um puxão com força e o pé se solta. Alguns segundos depois, o trem passa rapidamente. E o Cabra, exclamou “ufa!” Em seguida, levantou a cabeça e olhou para o céu: – Deus, não precisa mais se preocupar, eu consegui me soltar sozinho!”
Entre os que assistiam a cena, a risada foi geral…