Periscópio Entrevista – Sebastião Travassos

Sebastião Nascimento Travassos tem 59 anos, é formado pela Faculdade de Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez residência médica em Dermatologia e Anatomia Patológica e é médico intensivista pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), médico dermatologista do Hospital Francisco Ribeiro Arantes (HFRA/Itu) , médico dermatologista e intensivista na UNIMED Itu/Salto, médico regulador do SAMU de Rio Claro (SP). Nesta entrevista, ele fala sobre a campanha Janeiro Roxo, que visa conscientizar sobre a Hanseníase.

 

JP – A hanseníase, mais conhecida como lepra, não é muito debatida nos dias atuais. O que é essa doença e como ela se manifesta no organismo humano?

A hanseníase é uma doença crônica causada por uma bactéria denominada Mycobaterium leprae, um parasita que vive no interior das células principalmente da pele e dos nervos. É uma enfermidade com tempo de incubação muito longo, entre três a cinco anos, havendo descrição de casos com tempo de incubação de até 20 anos. Apresenta a característica de infectar muita gente, apesar de poucos desenvolverem a doença. Sua manifestação é muito lenta, com manchas na pele que apresentam mudança da cor, perda de pelos e alteração de sensibilidade. Primeiro o paciente não sente a temperatura, muitas vezes se queimando com “bituca” de cigarro, panela quente ou ao fazer um simples churrasco. Posteriormente, perde a sensibilidade a dor e por último a sensibilidade  ao tato.

 

JP – Para você, como dermatologista, qual a maior importância da campanha Janeiro Roxo para conscientizar a população?

O Janeiro Roxo precisa ser divulgado na mesma proporção que o Outubro Rosa e o Novembro Azul. É importante conscientizar a população de que a hanseníase não desapareceu e que o Brasil é o segundo país do mundo em número de acometidos. Só perdemos para Índia, sendo que essa possui uma população muito maior que a nossa, com mais de um bilhão de pessoas.

 

JP – Como está o processo para acabar com o estigma da lepra, já que ela sempre foi muito temida e pouco debatida? E qual o diagnóstico da mesma?

O diagnóstico da doença não esbarra em exames complexos ou caros. O exame mais importante é puramente clínico, necessitando apenas examinar o paciente à procura de manchas na pele e de nervos engrossados. A hanseníase como doença não mata o paciente, mas destrói a vida do mesmo. Este paciente é considerado um estigma, representando algo de mau e uma ameaça à sociedade, fato que deve ser evitado. Este estigma afeta a saúde mental e a qualidade de vida do paciente. Portadores de hanseníase apresentam maior tendência a doenças mentais quando comparados ao restante da população ou a pacientes portadores de outras enfermidades. É importantíssimo que ocorram ações que visem não só a eliminação da doença como também a prevenção de incapacidades. O estímulo e a conscientização para a adesão ao tratamento e o combate ao preconceito social são essenciais, a fim de diminuir o impacto da doença sobre a vida do paciente.

 

JP – Como é trabalhar no Hospital Dr. Francisco Ribeiro Arantes?

O hospital Francisco Ribeiro Arantes possui uma equipe multiprofissional extremamente motivada para os cuidados dos pacientes internados e também dos que recebemos de outros municípios, pois nossa função é de apoio e avaliação de casos mais difíceis. Sinto-me muito honrado em trabalhar com estes profissionais.

 

JP – Quais foram as maiores ocorrências que você já viu, relacionadas à hanseníase?

Batemos sempre na mesma tecla. Como conscientizar e prevenir as doenças? Em 2012 fui para o interior do Brasil, mais especificamente pra região do Araguaia, com um grupo de alunos de medicina da PUC de Campinas, visando atender as populações da região. Fiquei muito assustado com o que vi. No auge do crescimento econômico do Brasil, para chegarmos às localidades onde faríamos o atendimento a população, encontramos pontes de madeira em péssimo estado de conservação ou mesmo improvisadas, o que nos obrigava a descer do micro ônibus em que viajávamos e fazermos a travessia a pé porque a ponte não aguentaria o peso. Esgoto a céu aberto, populações indígenas doentes, suas aldeias jogadas na sujeira e no lixo, suas crianças e jovens sem nenhuma perspectiva de vida e com a total perda de sua identidade, situação que levava muitos jovens ao suicídio.  E hanseníase, muita hanseníase! Posteriormente, entendi o que ocorria no país com escândalos e mais escândalos envolvendo prefeitos, deputados, senadores e presidentes da República. Presenciamos uma corrupção generalizada desses políticos gananciosos e inescrupulosos e o desvio dos recursos para construção de hospitais e para infraestrutura.  Assim, enquanto estivermos subservientes a esses bandidos da nação, continuaremos a sofrer com dengue, tuberculose, hanseníase e outras doenças que virão, como a recente onda de febre amarela. Isto é uma tarefa gigantesca já que esses políticos são extremamente poderosos. Finalmente, para mudarmos essa situação, é necessária uma mudança de atitude de todos para que possamos dar um futuro melhor para nossos filhos e netos. Futuro que esses políticos tiraram dessa geração!