Pós-verdade e credibilidade

ANA LUÍSA TOMBA
Anualmente, o Departamento responsável pela produção e elaboração do dicionário de Oxford (Oxford Dictionaries) elege a palavra do ano para a língua inglesa. A de 2016 é “pós-verdade” (“post-truth”).

A Oxford Dictionaries definiu o termo eleito como um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.

Apesar da pouca popularidade nos outros segmentos, o uso da palavra cresceu 2000% no ano passado, principalmente nos universos político e jornalístico. Em 1992, o dramaturgo sérvio Steve Tesich estreou o termo com o significado que tem hoje, no entanto, não é à toa que esse pico no uso da expressão se deu em 2016.

“Pós-verdade”, analogamente, é o que meus pais – e todos os pais, mães e responsáveis de filhos da geração millennials (jovens nascidos a partir dos anos de 1990) alertaram lá atrás, no começo dos anos 2000. “Não acredite em nada que está na internet”, “Não confie em ninguém do mundo virtual”, “Não clique nesse site, não acesse aquele outro”… E por aí vai.

Na época, essa popularização da internet exigiu que a geração X (pessoas nascidas nas décadas de 60 e 70) tomasse cuidado redobrado com possíveis vírus e trotes online que pudessem atrair as crianças conectadas. O fenômeno de hoje é diferente: “Se está na internet, é porque é verídico!”, dizem os mesmos que tanto duvidaram anteriormente.

Quantas notícias via WhatsApp chegam até nós ratificando a prisão de políticos, divulgando a aprovação de dezenas de leis na calada da noite, revelando, até, que o Papa Francisco, a representação da paz e bondade mundial, apoia a candidatura de Donald Trump!? E o número de compartilhamentos, curtidas e encaminhamentos da mentira multiplica-se de maneira que o boato acaba se tornando fato.

As fontes responsáveis pela produção das inverdades diárias que recebemos estão tomando tamanho poder que se tornam tão oficiais quanto os periódicos ou institutos que desmentem tais inverdades. Os acadêmicos acreditam que “as mentiras fizeram parte de uma bem sucedida estratégia de apelar a preconceitos e radicalizar posicionamentos do eleitorado”, ou seja, os boatos noticiosos despertam ódio ou adoração às figuras públicas (majoritariamente políticas), porque funcionam como uma versão “caricaturizada” da sociedade. Com esses exageros, a sociedade sustenta-se cada vez mais em apenas dois pilares: um na ponta esquerda e outro na direita. A humanidade é, por natureza, complexa, precisa ser complexa e só se mantém viva por conta da complexidade. A dualidade em predominância vai acabar conosco.

A forma como esses factoides são divulgados agrava ainda mais a atual situação: o feed de notícias (linha do tempo) das redes sociais mais populares funciona de maneira a priorizar conteúdos com os quais você mais se identifica, então, se você curtiu o “fato” de o Papa Francisco se dizer a favor de Trump, mais factoides sobre o Trump irão aparecer para você curtir, e isso tudo parecerá muito legítimo.

O dever de apuração e checagem de fatos transcendeu a barreira do jornalismo e hoje paira sobre a nossa rotina. Todos nós precisamos ser jornalistas, pelo menos para duvidar do que lemos e só passar para frente se for provado verdade. Hoje, a tão prejudicada imprensa tradicional opta muito mais pela verdade crua e não pelo imediatismo da divulgação. Pode parecer que não, mas ainda é preferível esperar o jornal de amanhã para se ter certeza sobre o hoje.