Projeto “Amanhecer Cultural” estimula a arte do grafite em Itu

Quem passa pelas imediações da Praça da Matriz não tem como não perceber um grande muro localizado na Rua Dr. José Elias, em que as cores vibrantes e os desenhos chamativos se destacam. Trata-se do “Beco do Simplício”, como foi apelidado o espaço usado pelo projeto “Amanhecer Cultural”, idealizado pelo grafiteiro Adelson de Andrade – o popular Graf.itu.
O projeto teve início no final dos anos 2000, levando música, dança, ações sociais e, claro, o grafite para comunidades periféricas da cidade. Por volta de 2013, Adelson inicou as intervenções no atual “Beco do Simplício”, que era apenas um muro pichado na região central. Nem a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, um dos principais patrimônios históricos da cidade, era poupada nesse período.
Ele locava o espaço no muro, onde fazia anúncios comerciais que viabilizavam as artes no restante da parede. Adelson então uniu forças a outro nome forte da arte de rua da cidade, o grafiteiro “Pikeno”, e montou o coletivo do Amanhecer Cultural, se somando com outros artistas de rua, veteranos ou iniciantes. O espaço no muro é rotativo, já tendo passado dezenas de grafiteiros. E os comerciantes do entorno aprovam a iniciativa, colaborando e cedendo muros e portões para novas artes.
O espaço, então, passou de um lugar degradado para um ponto de arte urbana. “Do jeito que era antes, muita gente tinha até medo de passar. E hoje não, muita gente para e fotografa. Uma parede transformou a região inteira.”
A obra mais recente do “Beco do Simplício” é um mural em homenagem ao Papa Francisco, que morreu no dia 21 de abril. Adelson levou dois dias para fazer a pintura, que também utilizou a técnica de estêncil. Para conhecer mais sobre o projeto e até participar, basta procurar por “Amanhecer Cultural” no Facebook ou entrar em contato com Adelson pelo WhatsApp (11) 98176-9203.
Vida e arte
Adelson começou a grafitar na década de 1990. Ele trabalhava como letrista em Itu e, quando foi para Osasco (SP), onde a cultura do grafite era muito forte, se encantou pela expressão artística que surgiu da realidade da periferia urbana e evidencia críticas sociais. “Eu passava pela rua e ficava encantado pelo que via nas paredes, e alguma coisa dentro de mim falava: ‘eu sei fazer isso daí’.”
E ele foi lá e fez. Conheceu a cena do grafite, fez amigos na área e, em 2000, fez sua primeira arte. Passou a se inspirar no trabalho de outros artistas urbanos e, aos poucos, foi criando seu estilo próprio. “Tive muito apoio do pessoal que já grafitava”, conta Adelson, que fez seu primeiro trabalho comercial para a dona Neide, uma senhora que tinha uma casa de produtos do Norte onde ocorriam bailes de forró. Por conta disso, o mural tinha referências da cultura nortista e nordestina. Foi o primeiro de muitos.
Adelson voltou para Itu e passou a apresentar o portfólio para comerciantes de Itu. De início sofreu com a relutância, motivada pelo conservadorismo. “Não quero que piche meu comércio”, diziam a ele. Mas com o tempo as pessoas foram aceitando a arte do grafite. Para fidelizar os clientes, Adelson ainda oferecia um ano de garantia: se alguém pichasse em cima do grafite, ele ia lá e consertava sem custos. “Só que em cima do grafite não pode pichar, e eu moro aqui há 50 anos, conheço todo mundo. Então ninguém pichava”, recorda.
Além do lado comercial, Adelson começou a promover ações e eventos para incentivar o grafite. Uma oficina em parceria com a Secretaria de Turismo foi realizada em 2004 e, em seguida, começou a se formar o projeto Amanhecer Cultural. “Eu tinha participado do Despertar das Flores em Sorocaba e eu vi que dava pra adaptar pra realidade que a gente tem aqui em Itu.”
A ideia de Adelson sempre foi mostrar para crianças carentes que é possível dizer não às drogas e outros caminhos “fáceis”, tendo acesso à cultura e ao trabalho – como ele teve no passado. “O grafite na minha vida foi uma mudança de história. Foi o efeito transformador.”
Polêmica
Adelson recorda um episódio triste, que envolveu a administração passada, quando ele pintou figuras negras de renome nos tapumes das obras de restauro do Cruzeiro Franciscano – que foi construído pelo Mestre Tebas, construtor negro por trás de ícones arquitetônicos do século 18 que foi retratado pelo grafiteiro nas placas.
Porém, as artes foram apagadas, o que gerou uma discussão com o ex-prefeito Guilherme Gazzola. “O mínimo que eu quero é respeito, seja dele ou de qualquer governante”, afirma Adelson, que acredita que a administração passada perdeu uma oportunidade de homenagear a comunidade negra com suas obras. Agora, ele atua na Secretaria de Cultura do atual governo.
“A gente já começou com as aulas de grafite, está tendo aula na Emia de terça-feira e tem no CEU também de segunda-feira. E também vai ter no Cidade Nova”, informa Adelson, que agradece a oportunidade dada pelo prefeito Herculano Passos (Republicanos). “A abertura que o novo governante deu pra nós é que a comunidade carente, o artista periférico possa estar tendo participação, que é coisa que não tinha.”
“O grafite deixou de ser aquela arte marginal. É difícil a pessoa vir e falar para você que um trabalho desse que a gente faz é uma arte marginal, porque você fazia nos muro e tudo mais na calada da noite, ‘nas escondidas’, Hoje, não, graças a Deus, principalmente aqui em Itu, devido ao Kobra estar morando na cidade. Eles esqueceram até do ‘minhoca de Itu’ aqui. Minhoca em terra dos exagero é maior que cobra (risos).”