Quem (sobre)viver verá

LUCAS GANDIA

 

“O Brasil não é para principiantes”, dizia o poeta Antonio Carlos Jobim. Em outras palavras, sempre apostei que o brasileiro está um nível acima do restante da humanidade na escala de evolução. E nem estou falando das gambiarras criativas e inimagináveis que aparecem por aí sendo criadas pelos milhões de Marias e Josés que habitam as terras tupiniquins. O brasileiro é povo casca grossa, que já nasce escaldado em um tacho em constante ebulição. Duvida? É só bater o olho em qualquer capa de jornal e portal de notícias para averiguar se é qualquer um que aguenta tanta pressão. Desta vez, o drama tem nome e sobrenome: reforma da Previdência.

A pauta é extensa e extremamente necessária. De forma resumida, o governo de Michel Temer (PMDB) está propondo mudanças drásticas na aposentadoria de milhões de brasileiros. O projeto da reforma da Previdência Social inclui a imposição de uma idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, 49 anos de contribuição para obter aposentadoria integral e fim da aposentadoria especial para trabalhadores rurais. Fazendo contas básicas, chega-se a um assustador resultado: para obter o benefício integral da aposentadoria aos 65, o cidadão deverá começar a trabalhar com carteira assinada aos 16 anos. Se nesse intervalo houver trabalho informal ou períodos de desemprego, a idade aumenta ainda mais.

Ao propor a reforma da Previdência no modelo apresentado, o governo fecha os olhos para as muitas mulheres que realizam duplas – e até mesmo triplas – jornadas de trabalho, cuidando da família e da casa após o expediente formal, e para os muitos brasileiros que constroem a nação às custas do trabalho braçal, seja nas lavouras, na indústria ou na construção civil.

Em gabinete climatizado e com água fresca, Michel Temer parece desconhecer a realidade de Estados com baixo índice de desenvolvimento humano, onde a expectativa de vida não vai muito além da idade mínima proposta para a aposentadoria. O tapa na cara do brasileiro dói ainda mais quando tomamos conhecimento de que o próprio Temer requereu sua aposentadoria como Procurador do Estado de São Paulo em 1996, quando tinha apenas 55 anos de idade.

Nesse debate, é unânime a constatação de que as relações trabalhistas do país não podem continuar se baseando em um modelo previdenciário ultrapassado, à beira de um colapso. Porém, excluir os trabalhadores da discussão tampouco parece o caminho correto. Na tarde da última quarta-feira (15), milhares de brasileiros foram às ruas de todo o país para protestar contra a reforma proposta pelo governo federal – incluindo em cidades da região, como Salto. Entretanto, segundo o relator do projeto da reforma da Previdência, o deputado Arthur Maia (PPS-BA), as manifestações contrárias não mudam “absolutamente nada” em seu relatório. “Não vi nenhuma manifestação que tivesse um relevante apoio popular”, declarou o deputado, no que parece mais um riso de deboche.

A especulação é que a reforma da Previdência (PEC 287) seja votada na Câmara dos Deputados já no primeiro semestre deste ano. Mais do que nunca, é tempo de ficar de olho em como se comportarão os deputados federais eleitos por Itu e região – e acompanhar os respectivos posicionamentos sobre o assunto.

Nos próximos dias, centrais sindicais se reunirão para debater uma proposta alternativa à reforma da Previdência e apresentar um texto para o governo federal, em substituição ao atual projeto, em tramitação no Congresso.  Neste momento, é fundamental que a população se concentre no que, de fato, está em jogo. Continuar partidarizando o debate apenas fomentará o canibalismo que sustenta os mandos e desmandos das figuras de sempre no país. E, apenas como última observação, vale a ressalva de que, enquanto alguns ainda podem se dar ao luxo da previdência privada, grande parte dos brasileiros sequer tem condições de pagar convênio médico.