Saudades da Gazzola

J.C. Arruda

Lá se vão 50 anos. O jovem Wladimir Gazzola tinha acabado de se formar como engenheiro mecânico e foi trabalhar na industria que era propriedade de seu pai, Antonio, e de mais dois irmãos, Chiquinho e Luizinho. Eu havia conseguido naquele momento o meu diploma da Escola Senai de Itu e estava na Mecânica Gazzola há mais de dois anos, como torneiro mecânico. Assim como o tio Luizinho era chamado de “Gordo” pelos operários, Wladimir passou a ser conhecido entre eles por “Limão” por se portar sempre com seriedade, dificilmente esboçando um sorriso. Claro que ninguém ousava chamar pessoalmente Luizinho de Gordo e nem o Wladimir de Limão mas este, segundo consta, quando soube do apelido, caiu na risada. E riu por toda a vida, inclusive na minha presença. – E você também me chamava de Limão? – Ele me perguntava. E eu mentia: – Deus me livre, Doutor, eu queria aumento de salário…

Sem querer bajular, a Mecânica e Fundição Irmãos Gazzola, foi uma das melhores empresas em que trabalhei. Além de pagar os melhores salários da cidade, permitia entre os trabalhadores um pleno e permanente ambiente de liberdade e confraternização. A nossa, minha e de meus companheiros, convivência na empresa foi sempre prazeirosa. Quando mudei de emprego, deixei lá amigos que cultivo até os dias de hoje. Para se ter uma ideia de como era o tratamento lá, basta contar que, quando o gordo Luizinho Gazzola realizava alguma festa em sua mansão, no Largo do Quartel, era comum convidar vários trabalhadores para participar das mesmas. No casamento de uma de suas filhas, ele convidou TODOS os operários da mecânica para as bodas na igreja e para a grande festa que houve depois. Acho que mais de quinhentas pessoas.

Os três irmãos dividiam as tarefas: Tone (Antonio, claro) cuidava da fundição, o Gordo (Luizinho) da mecânica e Chiquinho (Francisco, evidentemente) dos escritórios. Posteriormente vieram os três filhos: Tone trouxe Vladimir, Luizinho trouxe Erivam e Chiquinho trouxe Aluizio que já era advogado. Só mais tarde veio o Luis Neto, o caçula dos primos. Havia ainda um irmão dos três donos, o Bepe (José) Gazzolla que era uma espécie de gerente geral da empresa. Este levava os operários com pulso firme, era enérgico e vigilante, mas nem mesmo ele conseguia evitar as palhaçadas, trotes e pegadinhas que os operários faziam entre si. Bastava ele virar as costas por um minuto e sempre tinha alguém que já aprontava algo para ferrar alguém, para que outros alguéns, caíssem na gargalhada.

Só fiz este preâmbulo porque Vladimir Gazzolla nos deixou, jovem nos seus 78 anos, após construir uma caminhada de sucessos, alcançando grandes vitórias nos vários ramos de atividade que incorporou, conseguindo ser um dos maiores empresários que esta cidade já conheceu e legando para Dona Lourdes e filhos a incumbência de continuar a obra considerável que edificou e, a eles, Deus há de apoiar nessa tarefa.

Mas, o Doutor Vladimir, sempre me dizia (talvez para me agradar) que era fã destas crônicas que escrevo aqui semanalmente e, assim sendo, conto uma passagem que era muito comentada lá na indústria Gazzolla.

Certo dia, o estimado por todos, Chico Soldador, estava na sua banca de soldagem, quando Luizinho Gazzolla se aproximou para fiscalizar o serviço. Foi então que Chico pediu:

– Seu Luizinho. Será que o senhor pode me dispensar do serviço, hoje à tarde? É que a minha mulher vai ter um filho, sabe.

– Se o motivo é esse, então está dispensado – Atendeu de pronto o patrão.

No dia seguinte seu Luizinho procurou Chico Soldador na banca e perguntou:

– Então, Chico, como foi? É menino ou menina?

– Tudo ótimo – respondeu o soldador – Agora pra saber se é menino ou menina, só daqui a nove meses…