Saúde em Foco: Eu tenho todas as idades
Por Dr. Eneas Rocco*
Nossa poetisa Cora Coralina, entre tantos outros pensamentos iluminados sobre a existência humana, nos deixou este: “Venho do século passado e trago comigo todas as idades”. E ela concluía seu raciocínio, dizendo; eu tenho a infância, a juventude, a fase adulta e a velhice… Ao completar setenta e três anos de vida, no dia em que escrevo este texto, senti ao acordar, essa sensação bastante curiosa, que é a de incorporar ao mesmo tempo, os diversos personagens que vivi…
Na infância, era aquele moleque um pouco travesso, que aos seis anos de idade, ia à escola com o cabelo raspado com máquina zero nas faces laterais, mais ou menos como os jogadores de futebol de hoje. Depois dos dez anos, já no então ginásio escolar, com toda molecada da rua na casa dos meus pais, jogava futebol de botão e ping-pong, numa mesa que meu pai havia feito e pintado com as cores originais das mesas oficiais da Procópio. E muito mais; bolinha de gude, pião, pipa, futebol, esconde-esconde, bicicleta…
E no restante da infância e adolescência, continuava essa doce rotina dos estudos, dos amigos, das descobertas, das garotas, e de uma discreta desobediência, nada ruidosa ou desrespeitosa, que culminava em nada, pois o conjunto da obra tinha um saldo positivo. Até onde eu tenho conhecimento, entre meus colegas de infância, tanto os da escola, como os que moravam no meu bairro, todos encaminharam bem suas trajetórias.
Na fase adulta, em que pese a responsabilidade dos estudos na universidade, e a seguir do casamento, do nascimento dos filhos, conservei ainda, bastante de tudo o que havia acumulado até então. A teoria da Cora Coralina é mesmo muito valiosa e bem verdadeira; os antigos “eus” parecem não desgrudar do corpo que os carrega.
E quando me deparo com a velhice do presente, o primeiro pensamento que vem à cabeça, é de que parece mentira que tudo isso já se passou, e que aqui nos encontramos, setenta e três anos depois… Eu sei que todos repetem essa mesma frase, o Paulinho da Viola chegou até a compor, dizendo que a vida é um sopro!!
Mas, na verdade, não dá para acreditar que aquele eu inicial, pudesse produzir tantas histórias, tantos aprendizados. Mas, e agora?
Quando morreu meu professor de psiquiatria, Professor André Teixeira Lima, paraninfo da minha turma de faculdade, eu pensei comigo durante o seu velório, que na época durava quase um dia todo: “E agora, para onde vai toda essa sabedoria?”
Quando concluímos a nossa última fase, a da velhice, nada pode ser feito com todo conteúdo que armazenamos e com todas as ideias que criamos. Infelizmente, ainda não foi inventado um jeito de gravar os nossos arquivos, não existe uma maneira de salvar no computador ou na nuvem!!
Caros leitores, hoje, fugimos um pouco às nossas temáticas habituais, nas quais falamos sobre temas da saúde. Deixo aqui para os senhores essas reflexões, e algumas indagações.
Há algumas décadas, a gente sabia como iam ser a primavera, o verão, o outono e o inverno. Hoje não temos mais uma demarcação entre as estações do ano. Assim parece estar acontecendo com as diferentes fases da vida. Crianças e jovens, vivem ensimesmados, têm pouco contato com a vida real. Há grandes discussões, sobre a idade na qual deveriam receber dos pais, os celulares e os computadores. Pouco conversam e mal sabemos o que se passa em suas cabecinhas.
Será que eles terão boas histórias para contar no futuro? Será que terão essa deliciosa lembrança, dos papéis que representaram? Será que vão sentir, que carregam consigo todas as idades? Será que as suas lembranças, serão sua maior riqueza? Boa semana a todos.
*Dr. Eneas Rocco (CREMESP 25643) é formado pela Faculdade de Medicina da PUC-SP – Campus Sorocaba, com especialização pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e Hospital Matarazzo de São Paulo.
Uauuuuuuu. Muiiiiito bom texto. Me sinto incluída
Somos o resultado de tudo o que vivemos de bom e de ruim Parabéns Dr Eneas
Nós sabíamos da fronteira das estações do ano, sabíamos da felicidade de poder recrear com os amigos de infância e juventude., soubemos de seus futuros com progressos, hoje, as pessoas não podem direcionar a educação de seus filhos, nossas crianças não sabem o que é ficar na rua o dia inteiro durante às férias, sim temos todas as idades, idades de pessoas felizes,
Bela reflexão.