Você já foi um porquê?
LUCAS GANDIA
Caros pais e responsáveis, vocês já conversaram com seus filhos hoje? Apenas “bom dia” e “boa noite” não bastam, tampouco um monólogo disfarçado de interação. Já perguntaram como vão as atividades escolares, os passeios com os amigos e os relacionamentos afetivos? Já pararam para observar como os “pequenos” se comportam nas redes sociais? Se as respostas forem negativas, é hora de rever a conduta.
Fenômeno absoluto de público – embora nem tão unânime entre os críticos – a série “Os 13 Porquês” (“13 Reasons Why”), produção da Netflix baseada no romance homônimo do estadunidense Jay Asher, traz para dentro de casa aquele debate que, por anos, foi empurrado para baixo do tapete. De repente, um jogo denominado “Baleia Azul” se transforma em pesadelo para mães e pais do mundo todo. Afinal, o que está acontecendo com os adolescentes?
A série da Netflix conta a história de Hannah Baker, uma adolescente recém-chegada a uma pequena escola no interior dos EUA, que sofre variadas agressões e perseguições por parte dos novos colegas, muitas delas de cunho verbal e psicológico. Sem ajuda e acompanhamento adequado, a garota toma uma decisão extrema: o suicídio. Para alguns, trata-se de um retrato exagerado; para outros, consiste em alerta para um ato extremo cada vez mais comum entre os jovens. Na série, enquanto a escola nega conhecimento dos casos de bullying, a família de Hannah tampouco parece notar qualquer tipo de alteração no comportamento da garota.
Ao longo de treze capítulos, a protagonista narra, através de gravações em fitas, a participação de cada um dos envolvidos na decisão pelo suicídio. Mais angustiante do que acompanhar o drama da personagem é constatar que grande parte das agressões expostas faz parte da realidade de muitas outras pessoas, de diferentes idades e em diversos ambientes. E pior: tudo mascarado por um inconsequente discurso irônico, que vende como piada o preconceito, a discriminação e o ódio, negligenciando os danos e traumas impostos pelo bullying.
Outro mérito da produção da Netflix é o estímulo de uma importante reflexão: será que já fui um “porquê” na vida de outra pessoa? A resposta pode ser um soco no estômago ou o despertar de consciência sobre os impactos dos nossos atos nas vidas alheias. Em que momento da história passamos a acreditar que temos o direito de expor, ridicularizar e humilhar alguém, independente do motivo alegado?
Gostaria de relatar que, hoje, já não se considera mais aceitável fazer “piadas” com negros, homossexuais e mulheres, por exemplo. Adoraria contar que a sociedade chegou a um ponto de consciência moral que entende como isso é prejudicial, ofensivo e venenoso, não só aos grupos alvo, mas a todos como seres humanos. Teria orgulho de dizer que o espaço para esse tipo de atitude discriminatória já não existe e, cada vez mais, o debate encontra limites construtivos para perpetuar a dignidade humana e o respeito. Seria uma pessoa mais feliz se pudesse ressaltar que atitudes preconceituosas não ficam impunes, porque o pensamento da sociedade está mudando, se alinhando à moral positiva. “Gostaria”, “adoraria”, “teria”, “seria”: infeliz condicional que escancara um presente inexistente e um futuro cada vez mais utópico.
Entender o que se passa na mente alheia não é um desafio a ser cumprido em poucas horas, muito menos em um artigo de jornal. Entretanto, prezar pelo diálogo saudável e pela convivência respeitosa é um dever de todos, sobretudo das famílias, das instituições de ensino e das lideranças corporativas. É necessário, de uma vez por todas, assumir nossas responsabilidades e fraquezas enquanto cidadãos. Temos, sim, cometido muitos erros. Não tomar medidas efetivas para transformar essa realidade é, sem dúvidas, o maior deles.