Artigo: Pobreza menstrual

Por Dra. Daniela De Grazia Faria Peres*

A “pobreza menstrual” é uma realidade para uma grande parcela de mulheres na sociedade que não têm recursos para comprar absorventes, implicando não apenas no constrangimento, mas também nas faltas escolares e de atividades cotidianas, o que representa um prejuízo moral e financeiro para essas mulheres. Essa realidade tem sido empiricamente demonstrada por estudos de organizações governamentais e não governamentais no mundo. 

A Organização das Nações Unidas – ONU, desde 2014, defende que o acesso à higiene menstrual é um direito que precisa ser tratado como questão de saúde pública e de direitos humanos. Por sua vez, a Recomendação 21, de 2020, aprovada em dezembro pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão ligado ao governo federal, recomenda ao presidente da República e ao Congresso Nacional a criação de uma política nacional de superação da pobreza menstrual.

Para a maioria das mulheres o período menstrual é algo normal, mas infelizmente muitas delas não têm condições financeiras suficientes para comprar um pacote de absorventes mensalmente e usam jornal, pedaços de pano ou folhas de árvores de forma improvisada para conter a menstruação.

Para as meninas e adolescentes a situação é mais grave porque sofrem com dois fatores: a falta de conhecimento da importância da higiene menstrual e a dependência dos pais ou familiares para a compra do absorvente, o que muitas vezes não acontece porque tais produtos são considerados como supérfluos da casa. Essa realidade piorou durante a pandemia, com o desemprego e a falta de recursos nas famílias, escancarando ainda mais a precariedade da situação.

Considerando ainda o tamanho do território brasileiro, muitas escolas não têm sequer banheiro, pia, água, papel higiênico para que essas meninas consigam ter o mínimo de higiene. As meninas menstruam a partir dos 10 anos de idade, em plena idade escolar, o que torna tudo mais difícil. Esse é um período de socialização e de afirmação e as faltas escolares por conta da menstruação prejudicam tanto o processo de aprendizado quanto a socialização das meninas.

Estatísticas da ONU demonstram que, em todo o mundo, uma em cada dez meninas falta às aulas durante o período menstrual e no Brasil esse número é de uma em quatro meninas, ante a hostilidade do ambiente escolar para uma parcela significativa de meninas e adolescentes. Como ainda estão em fase de crescimento, os ciclos costumam ser irregulares, intensos e inesperados, o que pode provocar um fluxo de sangue inesperado, manchando a roupa e as tornando alvo de brincadeiras de mau gosto. 

Há também o problema das mulheres encarceradas que recebem o mesmo kit de higiene dos homens, ou seja, sem absorventes e usam todo tipo de material disponível para conter o fluxo, jornal, miolo de pão, papel; devemos lembrar que as condenações são pela perda de liberdade e não do tratamento humanitário a que todos têm direito.

Há outra questão muito importante sobre os absorventes no Brasil que diz respeito à tributação sobre eles que é muito alta. Apesar de terem alíquota zero do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ainda incidem o PIS, Cofins e ICMS. São tributados como produtos de luxo.

Felizmente esse assunto vem sendo objeto de debates e estudos, chegando às Casas Legislativas de Municípios, Estados e da União.

Alguns estados têm leis próprias que já garantem este direito a meninas e mulheres, acredito que em breve será uma realidade em todo o País, mas precisamos falar sobre o assunto, demonstrar a realidade e discutir. 

A OAB de Itu lançou neste mês a “Campanha de Proteção da Saúde Menstrual”, cujo objetivo é arrecadar absorventes em prol de meninas e mulheres em estado de vulnerabilidade. Todos temos responsabilidade social e se cada um, a seu modo, agir seremos no futuro uma sociedade melhor. A humanização só acontece quando olharmos e entendermos os problemas dos nossos semelhantes, quando exercitarmos esse olhar de empatia. Que sejamos todos nós, melhores humanos.

*É advogada e presidente da Comissão da Mulher da OAB de Itu.