Médico alerta para a automedicação com cloroquina contra o coronavírus

Por André Roedel

Especulada por líderes políticos como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o norte-americano Donald Trump como alternativa para combate à Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, a cloroquina tem sido alvo de estudos para comprovar sua eficácia. Porém, enquanto os resultados ainda são inconclusivos, é preciso ficar em alerta.

O médico infectologista Dr. Marco Aurélio Hortêncio Bastos recomenda cautela. “Temos estudos promissores, com efeitos positivos, porém não aprovados oficialmente ainda”, explica. Segundo ele, existe pesquisa in vitro feita por chineses que avaliou o efeito antiviral da hidroxicloroquina contra o coronavírus (Sars-Cov-2) em comparação a cloroquina, e a hidroxicloroquina inibiu efetivamente a etapa de entrada do vírus na célula.

“Inclusive [há um estudo] com o uso da hidroxicloroquina associada ao antibiótico azitromicina. Parece que o azitromicina potencializa mais ainda a ação da hidroxicloroquina contra o vírus, paralisando a replicação viral. Mas, como eu disse, são estudos. Não podemos usar, evidentemente, sem que a ciência médica aprove, a Anvisa aprove, e tem que tomar muito cuidado com a automedicação”, destaca Dr. Bastos.

O medicamento, de acordo com o especialista, é usado para tratamento de doenças reumáticas, como no caso de artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, doenças fotossensíveis, malária e doenças de pele – até para psoríase vem sendo usada a cloroquina e a hidroxicloroquina. “São doenças crônicas que têm o uso autorizado, já com estudos feitos e dosagens medicamentosas relativos a essas doenças citadas”, explica.

Como qualquer medicamento, podem haver efeitos colaterais. Segundo Dr. Bastos, a cloroquina e a hidroxicloroquina são efetivamente tóxicas e possuem efeitos colaterais que podem ser prejudiciais à saúde da pessoa que faz uso. Há informações de problemas cardiovasculares relacionados ao remédio e insuficiência hepática. “Além disso, existem relatos de lesões na retina, prejudicando a visão, podendo até mesmo perdê-la, e também na audição, podendo diminuir a acuidade auditiva, levando a uma surdez parcial. Também foram descritos efeitos nos rins”, informa o médico.

Perda auditiva
Um dos efeitos colaterais descritos foi sentido pela jornalista ituana Mariele Previde Pedroso: a perda auditiva. Em 2002, ela passou 23 dias em uma tribo nos Camarões para fazer o seu trabalho de conclusão de curso da faculdade de Jornalismo. O local era um dos principais focos de malária do mundo. “Lá me orientaram a tomar cloroquina como prevenção. Enquanto estava lá tive uma gripe forte e fiquei com o ouvido entupido, além de um zumbido. Quando voltei para o Brasil o zumbido continuava e começamos a investigar. Fui em alguns otorrinos e o homeopata que me acompanhava desde pequena tinha um colega de faculdade especializado em doenças tropicais no RJ. Ele desconfiou que poderia ser um efeito colateral da cloroquina e isso se confirmou”, relata ela.

Mariele com uma colega de curso durante viagem para Camarões (Foto: Arquivo pessoal)

Mariele perdeu cerca de 60% da audição do ouvido esquerdo e 40% do direito. Uma perda neurológica, irreversível. “Hoje uso aparelho auditivo nos dois ouvidos. Na época tomei com orientação de médicos e enfermeiros do local onde fui, pois era um protocolo recomendado para tentar não pegar malária”, prossegue.

Em 2006 a jornalista colocou o primeiro aparelho auditivo do lado esquerdo e em 2011 do lado direito. “Tudo mudou com o aparelho, pois essa tecnologia ajuda muito na compreensão do que as pessoas falam. Porém, mesmo com o aparelho, tenho dificuldades de entender quando alguém fala muito baixo ou coloca a mão na frente da boca para falar. Tenho que tirar o aparelho para dormir, tomar banho ou entrar na piscina. Quando meus filhos eram bebês eu não os escutava chorar de noite e meu marido que tinha que me acordar para amamentar. Até hoje quando as crianças choram de noite é ele quem levanta para ir até eles”, afirma.

Sobre o uso da cloroquina no tratamento do Covid-19, Mariele diz torcer muito para que, de fato, o medicamento tenha eficácia e ajude a combater. “O que me preocupa é saber que tem muita gente tomando a cloroquina de maneira preventiva. Além de não haver comprovação científica de que funciona como prevenção, os riscos de efeitos colaterais são muito grandes. Além da possibilidade de perder audição, o uso da cloroquina pode causar outros problemas como perda de visão, convulsões e arritmia cardíaca. Ou seja, tomar quando a pessoa está mal, no hospital, com orientação médica é uma coisa. A outra coisa é tomar um medicamento forte sem necessidade como prevenção, correndo riscos de sequelas que podem ser para sempre e ainda sem comprovação de que funciona mesmo”, finaliza.