Dia 29 de janeiro marca a luta por respeito e visibilidade da comunidade trans
Por Nayara Palmieri
O dia 29 de janeiro foi consagrado como o Dia Nacional da Visibilidade Trans. A data foi escolhida por marcar uma das primeiras iniciativas públicas em prol da comunidade trans. Lançada em 2004 pelo Ministério da Saúde, a campanha “Travesti e Respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos” levou cerca de 27 pessoas trans aos salões do Congresso Nacional, em Brasília.
De lá para cá, ativistas, entidades e simpatizantes da comunidade trans utilizam o dia para saírem às ruas em busca dos seus direitos de cidadãos, como respeito e segurança. Algumas conquistas já foram conseguidas, como o decreto presidencial, publicado em abril de 2016, que autorizou o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal.
Em junho de 2018, o Conselho Nacional de Justiça publicou regras para as pessoas trans mudarem nome e gênero em suas certidões de nascimento diretamente nos cartórios. Essa é uma das mais recentes conquistas da comunidade trans. Porém, o caminho para os transexuais e travestis terem uma vida digna e de respeito ainda é longo.
A redação do JP conversou com dois jovens trans ituanos para melhor entender esse universo. Júlia Ferreira, de 26 anos, conta que sempre se sentiu diferente. A jovem sempre teve clareza de que não se encaixava no “padrão masculino” que a sociedade impõe.
De berço evangélico, Júlia conta que só foi saber sobre a comunidade trans depois de muitos anos, mas que desde adolescente sentia vontade de agir e se vestir como mulher, muitas vezes usando roupas femininas escondida da família. A aceitação foi complicada no início.
“Com uns 15 anos, minha mãe comentou que alguém da família sugeriu que ela me desse testosterona, para eu ter um jeito de homem. Isso é um absurdo. É absurdo a gente imaginar que fazem isso com outras pessoas para colocarem elas dentro desses padrões”, revela. Hoje em dia, a relação de Júlia com os pais é muito boa e a jovem se diz grata por ter o suporte e apoio de ambos.
Para Vitor José, 25, a descoberta de si mesmo foi parecida com a de Júlia. Desde pequeno ele se sentia diferente, mas foi aos 19 anos que entendeu de fato o que estava acontecendo. No começo, Vitor não teve muito apoio dos pais, fez muitas coisas da transição sozinho e sentia que não podia conversar com ninguém.
“(Meus pais e eu) nos damos bem, mas teve épocas muito difíceis, pra eles e pra mim também. Eu entendo que eles não sabiam de nada, então foi difícil pra eles aprenderem. Agora que estou mais velho eu consigo mostrar as coisas pra eles e eles entendem um pouco melhor. Mas não é tão simples assim, tenho que ter muita paciência com eles, do mesmo jeito que eles tiveram comigo”.
Transição hormonal
Não são todos os trans que optam por passarem pela transição hormonal, mas aqueles que desejam fazer o procedimento precisam de apoio e suporte médico. A medicação é pesada e se não for manipulada da forma correta pode causar danos à saúde.
“Demorou uns dois anos até eu começar a tomar (hormônio) mesmo, porque eu tinha medo, as pessoas colocam muito medo na gente, elas não te apoiam, só colocam medo”, conta Vitor. “Eu comecei sem suporte nenhum, mas quero que as pessoas que estão iniciando tenham suporte, que elas não precisem passar pelo que passei durante minha transição”, declara Júlia.
Preconceito
A atual realidade de pessoas trans no Brasil é de marginalização. Um estudo feito em 2017 pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil mostra que a cada 48 horas uma pessoa trans é morta no Brasil.
Cerca de 90% de mulheres trans trabalham no meio da prostituição por falta de oportunidades em outras áreas. Há crianças de 15 anos se prostituindo por não terem apoio da família e não terem como se sustentar.
Para Júlia, essa situação é de extrema tristeza e ignorância. “As pessoas dificultam nossa vivência nesse mundo e seria muito melhor se elas procurassem informações, convivessem com pessoas trans e percebessem que somos pessoas reais como qualquer outra”, declara.
Vitor vê o preconceito como uma consequência da falta de conhecimento. “É por falta de conhecimento mesmo. Eu sei que muitas vezes eu sou a primeira pessoa trans que alguém está conhecendo, mas eu peço que todo mundo discuta sobre o assunto com as pessoas, porque é muito importante”.
Troca de nome
O Provimento 73/2018 afirma que maiores de 18 anos podem requerer a alteração de nome e gênero “a fim de adequá-los à identidade autopercebida”. O solicitante deverá ir ao cartório em que foi feito o seu primeiro registro para solicitar as alterações. Segundo o texto, o procedimento será feito com base na autonomia do requente, que deverá declarar sua vontade ao registrador, independente de autorização judicial prévia ou comprovação de cirurgia.
O provimento certifica também que as informações sobre a alteração não serão divulgadas sem a vontade da pessoa ou da Justiça. A respeito dos demais documentos da pessoa, o texto regulatório afirma que serão oficialmente notificados os órgãos responsáveis pelo RG, ICN, CPF e passaporte, além do Tribunal Regional Eleitoral respectivo. Mas caberá ao próprio requerente procurar essas instituições para que obtenha os novos registros.
O Cartório de Registro Civil em Itu, localizado na Praça Duque de Caxias, 46, Centro, disponibiliza uma lista com todos os documentos necessários para a troca de nome. De acordo com o Cartório, cerca de 20 pessoas já realizaram a troca na cidade.