Espaço Acadil: Rebuliços do nosso “jeitão”
Evandro Antonio Correia
Cadeira 34 | Patrono Ezechias G. Fontoura
Preparando este artigo, lembrei-me de frase atribuída a um velho político que, em tom sarcástico, dizia que familiares só devem entrar nos gabinetes dos políticos em porta-retratos! É piada, mas traz um princípio importante: a separação entre público e particular. Entretanto, esse limite é sempre ultrapassado. Vejamos!
Refletindo sobre os rebuliços na nossa vida de brasileiros, será que eles vieram junto quando fomos “descobertos”? Será que estão relacionados à corrupção que joga tudo aquilo que deveria ser público na esfera particular, como na antiga política?
Nesse rebu, forte ingrediente é o brasileiro sentimental: o bondoso e gentil pode vir lambuzado de ódio e vingança! E continua bem camuflado na cultura do nosso dia a dia!
Seria herança da “independência”?
Existe uma dificuldade em separar o ambiente da família do ambiente público. Essa era a forma como o “senhor de engenho” se comportava: patriarca. Tratava tudo como família, de forma íntima e violenta: com os escravos, no apadrinhamento político, na lógica dos favores e do jeitinho. Tudo girava em torno de uma espécie de alargamento da família sobre o que deveria ser política. Quem é apadrinhado está acima das leis e “as leis” são para os outros. Esse “jeitão” sacana acaba dominando a vida social. E, “jeitoso”, não é, propriamente, o “senhor de engenho”. “Jeitosa” é a manutenção desse “jeitão” no pensar a vida nas relações sociais, políticas e institucionais.
Será também herança da “monarquia”?
É possível separar o particular do coletivo, efeito da subversão lá da nossa velha “república”?
O egoísmo que chegou com os europeus, carregados de intolerância e morrendo de fome, diante da generosa vastidão e fartura das Américas, criou seres humanos hospitaleiros com tendência ao preconceito… E desde 1500, em raros discursos e ações, viu-se pouco do “amor à pátria” do quanto se esperava.
Tem mais? Sim! Esses rebuliços continuam aparecendo na indiferença aos direitos essenciais conquistados. Será, também, herança do “Regime militar”? Tantos continuam “lavando as mãos”, depois de comer lagosta com vinhos premiados, “colocando panos quentes”. Aparentam acobertar a manutenção desse jeito de pensar a vida nas relações sociais, políticas e institucionais do Brasil.
E os benefícios para a sociedade brasileira, herança das “Diretas já”? Talvez somente parte dela favorecida, indiretamente…
Chegamos à era digital, de alta tecnologia, na instantaneidade das comunicações. Reforça-se e se produz comunidades de aceitação, pois, não importa o que a ciência diga sobre a Terra ser redonda, sobre a importância das vacinas, da qualidade do ensino público, o que importa, na ironia disso tudo, é o “jeitão” com que se conduz esse monte de gente, arrebanhada em algum lugar da internet, “que pensa igual a mim”: “covardes desconhecidos” em uma “grande lixeira”: uma banalidade consciente dos valores humanos conquistados e deixados de lado.