Mancha de poluição no Rio Tietê cresce, apesar dos esforços para a revitalização

Vista do Rio Tietê na Estrada Parque, onde a paisagem nesse trecho do chamado Médio Tietê Superior sofre alterações representativas nos ciclos de chuvas e secas (Foto: Divulgação)

Na mais recente edição do estudo Observando o Tietê, lançado às vésperas do Dia do Rio Tietê, celebrado em 22 de setembro, a Fundação SOS Mata Atlântica aponta uma piora na poluição do maior rio paulista. Os dados indicam que, apesar de melhorias pontuais em alguns trechos, a extensão da mancha de água imprópria para usos múltiplos alcançou 207 quilômetros. É um aumento de 29% em comparação ao ano anterior, quando a mancha cobria 160 quilômetros.

Com 1,1 mil quilômetros da nascente à foz, o Rio Tietê atravessa o Estado de São Paulo de leste a oeste e passa por áreas urbanas e de importante produção industrial, de energia hidrelétrica e agropecuária. É dividido em seis unidades de gerenciamento de recursos hídricos (UGRHs), também chamadas de bacias hidrográficas. A bacia do Rio Tietê abrange 265 municípios, num total de mais de 9 milhões de hectares – 79% inseridos no bioma Mata Atlântica.

O relatório, produzido no âmbito do projeto Observando os Rios, com recorte especial para o Rio Tietê, contou com a participação de 44 grupos de voluntários em 28 municípios, incluindo 22 pontos na capital paulista, sendo complementado com dados levantados pela equipe técnica da SOS Mata Atlântica e da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Foram utilizados 16 indicadores de qualidade seguindo o Índice de Qualidade da Água (IQA), abrangendo 39 rios da bacia do Tietê a partir do monitoramento de 61 pontos de coleta. Desses, 62% apresentaram qualidade de água regular, 11% boa e 26% ruim ou péssima.

A qualidade da água do Rio Tietê foi monitorada num total de 576 quilômetros, desde sua nascente em Salesópolis até Barra Bonita, na hidrovia Tietê-Paraná. Foi encontrada água de boa qualidade ao longo de 60 quilômetros entre a nascente e Mogi das Cruzes, que se somam a outro trecho de 59 quilômetros na região do Reservatório de Barra Bonita, entre São Manoel e a foz do rio Piracicaba.

A condição regular da água se estende por 250 quilômetros, em três segmentos ao longo do Médio Tietê. Mas a poluição torna a água imprópria para usos múltiplos em 207 quilômetros (com qualidade ruim em 131 e péssima em 76), o que representa 35,9% do total monitorado – um aumento considerável em relação aos 27,7% do ano anterior. A extensão da mancha de poluição teve variações ao longo dos anos, com momentos de redução e aumento. Desde 2021, no entanto, cresceu 143,5%, passando de 85 para 207 quilômetros.

Na região das cabeceiras do Alto Tietê, entre as cidades de Suzano e Guarulhos, os indicadores também exibem uma tendência de agravamento nas condições ambientais. E, assim como nos anos anteriores, não houve trechos com água qualificada como ótima em toda a bacia monitorada.

Embora haja projetos estruturais de saneamento em curso, como o atual Integra Tietê, do Governo do Estado de São Paulo, a qualidade da água continua a ser comprometida por condições locais – seja de poluição por esgoto, gestão de reservatórios e operação de barragens, clima ou resultante de atividades agropecuárias ou de remanescentes de efluentes tratados, mas em carga superior à capacidade de diluição dos rios.

Gustavo Veronesi, coordenador do Observando os Rios, reforça a necessidade de planos integrados que considerem os impactos das mudanças climáticas, do saneamento ambiental nas cidades e do uso da terra nas áreas rurais ao longo de toda a extensão do rio. “Poluir um rio é rápido, mas a recuperação é lenta e exige um estado de atenção constante, com melhorias contínuas nas estruturas de saneamento e na educação ambiental para evitar sua degradação”, ressalta.

Nesse contexto, a SOS Mata Atlântica propõe a integração de soluções baseadas na natureza ao projeto Integra o Tietê, propondo a criação de um parque linear que conecte a Represa de Guarapiranga, o Rio Pinheiros, o Rio Tietê e o Parque Ecológico do Tietê. Esse projeto poderá disponibilizar mais de 50 quilômetros de áreas verdes ao longo dos rios. É importante ainda o tombamento e a proteção integral das corredeiras do Vale do Tietê, que contribuem expressivamente para a oxigenação e a depuração da água, para o ressurgimento da vida aquática e para a melhoraria das condições ambientais na região do Médio Tietê.

Privatização da Sabesp

Há ainda outro fator de alerta para a sociedade: a recente privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp, cuja condução do processo às vésperas do período eleitoral, sem a inclusão da sociedade no debate, prejudicou a transparência de uma decisão que impacta a vida de milhões de pessoas, já que a empresa é responsável até hoje pelo Projeto de Despoluição do Rio Tietê, com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

“Desde a primeira etapa do Projeto de Despoluição do Tietê, no início dos anos 1990, a SOS Mata Atlântica acompanha e monitora a qualidade da água, mensurando a evolução da mancha de poluição sobre o rio para dar transparência e capacidade de governança dessas ações à sociedade. Agora, com a concessão da Sabesp à iniciativa privada, será preciso compatibilizar as metas do projeto com a capacidade de execução da empresa que assumiu a estatal, pois o Projeto Tietê impacta a vida de milhões de pessoas”, afirma Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica.

Atualmente, o projeto encontra-se na finalização de sua quarta etapa, com aumento considerável da carga de esgoto coletado e levado para tratamento. Ele passou por reestruturação, com governança direta da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (SEMIL), passando a se chamar Integra Tietê.

No documento do Observando o Tietê, a SOS Mata Atlântica faz críticas à privatização, apontando que “a água e o saneamento são direitos fundamentais que têm sido violados no Brasil de forma inadmissível”. A entidade cita casos em que, motivados pela ineficiência, descumprimento de contratos ou outros problemas, as empresas tiveram que voltar para o controle público.

“Foi o caso de Itu (SP), onde está localizada a sede da Fundação SOS Mata Atlântica, após ter sido uma das cidades paulistas mais duramente castigadas pela crise hídrica, em 2014. O severo racionamento gerou protestos de moradores nas ruas e até saques a caminhões pipas. A reestatização dos serviços de saneamento também ocorreu no exterior”, afirmou a entidade no documento.

Dados da região

Em Itu, são dois pontos de monitoramento, com os dois tendo IQA regular. O ponto do Rio Caiacatinga, no município, teve ligeira piora, saindo da condição boa para regular. Na cidade de Salto, foram quatro pontos de monitoramento, sendo que no Rio Piraí a qualidade é boa, enquanto em todos os outros ficou regular. Em Cabreúva, a qualidade é regular. Em Porto Feliz, é boa. O relatório completo do Observando o Tietê 2024 pode ser acessado no site da Fundação SOS Mata Atlântica: https://www.sosma.org.br/.