Gauchão grisalho
J.C. Arruda
Na semana passada faleceu em Itu a senhora Etelvina Zschachner. Você que está lendo foi capaz de entender o sobrenome dela? Eu sofri para escrever. Tive que fazê-lo letra por letra. O marido dela tinha o mesmo sobrenome, lógico, mas todos o conheciam por Zé Chequiner. Ele foi um barbeiro famoso em Itu, pelo senso de humor e sarcasmo com que tratava os fregueses. Inúmeros, por sinal. E dona Etelvina, que faleceu com 92 anos, foi por décadas a companheira fiel do marido. Talvez alguém se recorde da cena: ele pilotando a lambretta, trazendo Etelvina na garupa e a cadela Lina na frente, junto aos pés. Chamava a atenção das pessoas nas ruas.
Chequiner gostava de destacar seu passado como bom atleta, tanto nas corridas pedestres como nas de bicicletas. Ele foi, de fato, várias vezes campeão. Como a maioria dos barbeiros, adorava as fofocas da cidade. Quando uma pessoa chegava ao salão e começava a contar uma novidade, já era interrompida pelo barbeiro: – “Mas, só agora você soube disso? Essa já é velha aqui no salão…” E logo em seguida passava a contar as realmente “novas”. Sobre ele se contavam inúmeras passagens.
Dizem que certa vez um conhecido advogado da cidade caiu na ingenuidade de ir até o salão para tratar de um assunto particular. Só que, ao invés de chamar Zé Chequiner à parte, foi logo abrindo o jogo, na frente da freguesia. Dizia respeito à cadela Lina que era o xodó do casal Chequiner. O advogado foi explicando que era casado com a senhora Idalina e que esta, desde menina, era conhecida carinhosamente por Lina o que a tornava vítima de pessoas maldosas que, em trotes telefônicos, diziam que ela tinha o mesmo apelido da cachorra do barbeiro.
Chequiner foi ouvindo calado a história, sem parar de atender o freguês que estava na cadeira, se limitando a fazer “hum, hum” com a boca mostrando que estava entendendo tudo. Diante da mudez do barbeiro, o doutor advogado foi crescendo na bronca chegando então à ameaça: – “Eu gostaria que o senhor trocasse o nome da sua cachorra, para que eu não tenha que tomar medidas judiciais no caso.” Aí Chequiner parou de cortar o cabelo do freguês, para mirar o nobre causídico e responder: – “Doutor, o nome da minha cachorra não é Idalina, como da sua esposa e sim Isolina. Então o máximo que posso fazer é trocar para Adelina, mas acho que não vai resolver sua questão. Então pode ir procurar os seus direitos!” O homem se retirou sem dizer mais nenhuma palavra e a ação na justiça jamais chegou a se concretizar.
Outra história que, dizem , aconteceu no salão.
Entre os inúmeros fregueses, Chequiner tinha um bastante vaidoso, funcionário da Caixa Econômica de nome Clodoaldo, gaúcho de nascimento que tinha por volta de 50 anos. Ele frequentava o salão pelo menos três vezes por semana e como já estava em Itu, há quase 20 anos, tornou-se muito conhecido. Certo dia estava na cadeira aos cuidados de Chequiner, quando chegou um desconhecido e entrou na fila para ser atendido. Conversa vai, conversa vem, alguém comentou que Clodoaldo era gaúcho. Foi o que bastou para que o desconhecido entrar na conversa logo contando que também era gaúcho e que estava se mudando para Itu.
Aos poucos, a conversa foi ganhando intimidade com os dois gaúchos fazendo comentários divertidos sobre o Estado dos Pampas. O visitante se chamava Olegário e tinha mais ou menos a idade de Clodoaldo, o gaúcho de Itu. Em certo momento o gaúcho visitante resolveu fazer uma pergunta:
– Me desculpe Clodoaldo, mas por tudo que estamos conversando, cheguei a conclusão de que temos os dois quase a mesma idade. Mas enquanto os meus cabelos estão totalmente brancos, os seus continuam escuros. Me diga, com é que você faz?
E o Clodoaldo bem rápido.
– Pinto de preto!
– Barbaridade, tchê! – Surpreendeu-se o gaúcho visitante. – Então me passa o endereço ou o telefone desse crioulo que eu preciso falar com ele urgente.