Artigo | Excrescência ambidestra

Enquanto o Brasil e o mundo acompanhavam o show da cantora Lady Gaga na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), e o conclave que escolheu o novo papa da Igreja Católica, o noticiário político nacional fervia. Esquerda e direita se digladiam nas redes sociais por conta do escândalo dos descontos indevidos nas aposentadorias pagas pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que pode ter gerado uma fraude de mais de R$ 6 bilhões.

Partidos dos dois espectros políticos fogem da “paternidade da criança”. Afinal, filho feio não tem pai. Mas o fato é que ambas as mãos entraram bem fundo no bolso do cidadão mais humilde, que já recebe um benefício previdenciário raquítico. A cada notícia que surge, fica mais evidente que o escândalo envolve muita gente e vem desde os tempos mais primórdios de nossa abalada democracia.

Com o burburinho do caso na grande imprensa e mais um vídeo viral do deputado federal queridinho da direita, Nikolas Ferreira (PL-MG), muita gente se indignou – com certa razão, claro – nas redes sociais. Mas, convenhamos, muita gente fingiu se importar com os aposentados vítimas dos possíveis golpes perpetrados por entidades associativas, quando na verdade era mais ódio à esquerda e mais uma tentativa de emplacar um escândalo de corrupção ao governo Lula 3.

Enquanto isso, em Brasília (DF), a Câmara dos Deputados (ou melhor, o Centrão) aprovou na última terça-feira (06) um projeto para aumentar o número de parlamentares de 513 para 531. Agora, a proposta segue para análise do Senado Federal. O impacto financeiro dos 18 novos deputados, segundo a Direção-Geral da Câmara, é de R$ 64,6 milhões por ano – parece pouco diante do escândalo do INSS, mas de todo modo é dinheiro do contribuinte indo para algo sem necessidade alguma. 

Aliás, já temos deputados demais. Só para se ter uma ideia, nos Estados Unidos da América, país com aproximadamente 340 milhões de habitantes, são 435 congressistas na Câmara dos Representantes – ante os 513 parlamentares atuais para cerca de 213 milhões de brasileiros. Segundo a Câmara dos Deputados, o aumento aprovado ocorre por conta da mudança populacional, como previsto na Constituição.

“Estamos a falar de um acréscimo modesto de 3,5%, enquanto a população nos últimos 40 anos cresceu mais de 40%”, afirmou o relator, deputado Damião Feliciano (União-PB), que elaborou o substitutivo do projeto da deputada Dani Cunha (União-RJ) – sim, a filha do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. As vagas aumentam para os estados do Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. Caso aprovado no Senado, o aumento dos deputados federais também causará um efeito-cascata nas Assembleias Legislativas desses estados, que terão mais cadeiras também.

Esse aumento, porém, contraria decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a redistribuição das atuais 513 cadeiras conforme o Censo 2022, o que faria com que alguns estados fortes perdessem representação – o Rio de Janeiro, por exemplo, perderia quatro de suas atuais 46 cadeiras. O Centrão, então, escolheu uma saída política, não constitucional.

Na votação desta semana, 207 deputados foram contrários ao projeto, contra 270 a favor e uma abstenção, totalizando 478 votos. Partidos de todas as colorações possíveis deram votos favoráveis à proposta, com exceção do PSOL, Cidadania, Novo e Rede, que foram integralmente contra. Nomes como Aécio Neves (PSDB-MG), Arthur Lira (PP-AL), Alexandre Ramagem (PL-RJ), Hugo Motta (Republicanos-PB), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Juscelino Filho (União-MA), Lindbergh Farias (PT-RJ), Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), Paulinho da Força (Solidariedade-SP), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e Tiririca (PL-SP) são alguns dos que apoiaram essa “excrescência ambidestra”, mostrando que, ao contrário do que dizia o deputado-palhaço, pior que está fica sim…

*É chefe de redação do Periscópio.