Artigo: O Céu da Divina Comédia

Por Prof. Paulo Sergio Bretones*

Em setembro do ano passado celebramos 700 anos da morte de Dante Alighieri (1265-1321), autor de vários livros, entre eles um clássico da literatura mundial: A Divina Comédia, considerado um dos livros mais representativos do Renascimento. Trata-se de uma síntese enciclopédica do conhecimento científico e filosófico da Idade Média.

A obra é dividida em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso. Cada uma com 33 cantos e dez partes, número considerado a perfeição medieval. O Inferno, em forma de funil, aponta para o centro da Terra, uma cratera onde estão as almas dos pecadores.O Purgatório, do lado oposto do Inferno, tem a forma de uma montanha voltada para o alto, onde há esperança para as almas, uma vez purificada se Virgílio o acompanha no Inferno e no Purgatório. Depois, ao subirem pela montanha até um planalto, onde se eleva ao Paraíso e conduzido por sua amada, Beatriz.

A obra, considerada com grande evidência no sentido moral e teológico, também tem inspiração política, relacionada às diversidades da vida e vicissitudes pessoais do poeta. O Paraíso, por exemplo, é composto por nove esferas concêntricas ou céus, a parte material e o Empíreo, a parte espiritual, onde se encontra Deus, na companhia das almas purificadas.

Enquanto as estruturas do Inferno e do Purgatório foram baseadas em diferentes classificações de pecado, a concepção de Paraíso reflete as quatro virtudes cardeais: fortaleza, justiça, temperança e prudência, combinadas com as três virtudes teologais: Fé, Esperança e Caridade.

Ao ler Dante, deve-se considerar que, em sua época, a Terra era considerada o centro do Universo, segundo as concepções de Aristóteles e Ptolomeu. Na concepção geocêntrica, a Terra era imóvel e fixa no centro do Universo e o céu imutável e perfeito. O Sol, a Lua e os planetas se moviam em torno da Terra em trajetórias circulares, segundo a ordem apresentada na obra.Nos primeiros três estão as almas com alguma deficiência moral e os quatro últimos são exemplos virtuosos.

A primeira esfera, da Lua, é das almas virtuosas, mas que não mantiveram seus votos religiosos, foram inconstantes e careceram de força. A segunda esfera, de Mercúrio abriga as almas que praticaram o bem, mas com desejos de fama e carência de justiça, dominadas pela glória terrena. A terceira esfera, de Vênus, reúne almas de amantes, que fizeram usos do amor terreno, mas deficientes de temperança.     

A quarta esfera, do Sol, abriga almas de sábios, que representam a prudência. A quinta esfera, de Marte, é formada pelas almas dos mártires, que combateram em favor da fé e são considerados exemplos de fortaleza. Na sexta esfera, de Júpiter, estão as almas dos governantes, que representam a justiça. A sétima esfera, de Saturno reúne os monges, dedicados ao serviço divino, mas sendo contemplativos, exemplos que personificam a temperança. Quanto à oitava esfera, das estrelas fixas, representa a igreja triunfante, a perfeição da humanidade, purificada de todos os pecados e levando todos aqueles que alcançaram as virtudes teológicas da fé, esperança e amor. A nona esfera, última, dos anjos, é o Primum Mobile, a primeira a ser movida, a última do Universo físico. Ela é animada diretamente por Deus e provoca o movimento de todas as outras. Finalmente Dante vai para o Empíreo, além do mundo físico vislumbrando Deus e acessando a natureza divina e humana.

As muitas publicações da obra, ao longo dos séculos, foram ilustradas por diferentes artistas. Particularmente pode-se mencionar Gustave Doré (1861). No Inferno, Dante e Virgílio assistem o cair do dia (Canto 2) e depois observam as estrelas (Canto 34). No Purgatório, Dante está purificado e acessa as estrelas (Canto 33). No Paraíso, Dante e Beatriz contemplam o mais elevado dos céus (Canto 30).

 A Divina Comédia é uma obra densa, com pouca presença no currículo escolar, mas existem versões dela voltadas para um público juvenil. Para quem quiser ir um pouco além: vale a pena considerar a música Divina Comédia Humana, de Belchior.

*É palestrante e autor, formado em Química com mestrado e doutorado com temas relacionados à Educação em Astronomia pela UNICAMP. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos.