Deu samba

Por Lucas Gandia

“O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça”. A frase, de autoria do modernista Oswald de Andrade, é uma das melhores definições sobre a importância que as festividades carnavalescas possuem na rotina do país. Parte integrante do “Manifesto Pau-Brasil”, obra publicada em 1924 com o intuito de enfatizar a necessidade de criar uma arte baseada nas características do povo brasileiro, a oração nunca foi tão atual. Se o Carnaval é do povo, não faz sentido afastar o povo do Carnaval.

Neste ano, a maior festa popular do país (e do mundo?) finalmente voltou a assumir suas características democráticas. Longe dos luxuosos e milionários desfiles das escolas de samba, o Carnaval de rua mostrou a força de uma comemoração acessível e, sobretudo, poderosa.

Na última terça-feira (9), o prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) classificou o Carnaval de rua de 2016 como “o melhor Carnaval das últimas décadas” na capital paulista. “Devemos superar a meta de arrecadação de R$ 400 milhões em negócios gerados na cidade, tanto de pessoas que vieram para São Paulo quanto de quem deixou de sair daqui”, declarou. Ainda de acordo com Haddad, o alto retorno financeiro da festa de rua acontece porque o investimento é baixo e grande parte da infraestrutura já existe.

A “explosão” dos blocos carnavalescos não é realidade exclusiva de São Paulo. Segundo a Prefeitura do Rio de Janeiro, na folia deste ano a capital carioca recebeu mais de um milhão de visitantes do Brasil e do exterior, que injetaram mais de R$ 3 bilhões na cidade. Em Belo Horizonte, a própria imprensa local noticiou, admirada, o crescimento da festa nas ruas e avenidas da capital mineira.

Em Salvador, a grande novidade da folia de 2016 foi um “retorno ao passado”: os trios elétricos sem cordas voltaram a ser o destaque principal nos circuitos da festa. Artistas como Ivete Sangalo e Carlinhos Brown foram alguns dos que participaram da folia “aberta ao público”. De acordo com especialistas, a mudança partiu de uma iniciativa do poder público e refletiu a retomada das ruas pelo folião indisposto a pagar altas quantias para curtir o Carnaval.

O crescimento da festividade popular já tem causado, inclusive, dores de cabeça a muitos carnavalescos. Neste ano, além de acertar os passos e entrosar a bateria, as escolas de samba de São Paulo e do Rio de Janeiro tiveram que organizar o desfile com orçamentos reduzidos. Segundo o jornal “O Globo”, tradicionais anunciantes, como Petrobras, Caixa, Coca-Cola e Brasil Kirin, reduziram ou até cortaram ações de marketing no sambódromo e patrocínios às escolas. Em alguns casos, a culpa é da tão especulada crise econômica. Em outros, se deve ao próprio direcionamento de investimentos ao ascendente Carnaval de rua brasileiro.

Tomando o caso paulista como exemplo, fica uma conta simples: para garantir um lugar no sambódromo, o folião teve que desembolsar quantias que variaram de R$90 a mais de R$500. É claro que o trabalho das escolas de samba de São Paulo tem melhorado ano após ano, com desfiles cheios de brilho e glamour, mas por que gastar tanto dinheiro se na rua a festa é muito mais acessível à população?

Guardadas as devidas proporções, o retorno do Carnaval de Itu às ruas e praças do Centro nas festividades deste ano também representou um desejo antigo de muitos ituanos: o resgate da participação efetivamente popular nas festividades do Momo, sem a sensação de distanciamento provocada pelas arquibancadas na Avenida Galileu Bicudo.

De sobra, o governo municipal ainda reduziu os gastos em 60% em comparação à folia do ano passado (incluindo a diminuição no repasse às escolas de samba e a redução dos gastos operacionais) e conquistou apoio da iniciativa privada através de parcerias.

Em uma época onde o fenômeno da “gourmetização” tornou-se o símbolo de uma sociedade ávida por espaços exclusivos e segregados, o Carnaval mostrou, mais uma vez, seu poder de unir e misturar até mesmo uma nação dividida. A festa deste ano acabou, mas uma coisa é certa: em 2017 tem tudo de novo. Ainda bem!