Dia do Cinema Nacional: um panorama do interior

O Dia do Cinema Nacional é comemorado no dia 19 de junho. Essa data foi escolhida em homenagem ao nascimento do cineasta e documentarista brasileiro Humberto Mauro, que nasceu em 30 de abril de 1897. Mauro é considerado um dos pioneiros do cinema brasileiro e sua obra contribuiu significativamente para o desenvolvimento da indústria cinematográfica no país.

A importância do Dia do Cinema Nacional está em celebrar a produção cinematográfica brasileira e valorizar a cultura e a identidade nacional retratadas nas telas. O cinema nacional desempenha um papel crucial na expressão artística, na reflexão sobre a sociedade e na preservação da memória histórica e cultural do Brasil.

Stefanie Klein é produtora cultural e professora

Celebrando a data, o JP entrevistou Stefanie Klein, 34 anos, produtora cultural e professora. Ela é diretora de curtas como “Cada Um Na Sua Piscina”, de 2016. Para ela, o cenário atual do cinema nacional é complicado, não apenas para a sétima arte, mas para a cultura em geral.

“A cultura brasileira foi atacada e ainda vivemos uma situação econômica difícil. Nos últimos anos, filmes foram censurados, instituições receberam cortes e deixamos de ter um ministério. O cinema brasileiro continuou existindo sim, quase como milagre”, diz.

Segundo ela, no interior de São Paulo há produção cinematográfica, mas sem a mesma visibilidade ou oportunidades das grandes capitais. “As cidades paulistas vêm se articulando com o objetivo de se fortalecerem e buscarem a descentralização. Formou-se em 2019 o ICine, uma rede de cineastas, produtores e exibidores do interior de SP que busca políticas públicas que atendam às necessidades daqueles que produzem foram da capital do estado”, informa.

O Cineclube de Itu esteve presente em todos os encontros realizados, representando a cidade. “Desde então fizemos muitos contatos com as outras cidades e nos surpreendemos todos os dias com a quantidade de pessoas fazendo cinema de alta qualidade no interior paulista”, diz ela, dando como exemplo o cineasta João Paulo Miranda Maria, que saiu do interior e apresentou seu longa-metragem, “Casa de Antiguidades” (2020), no conceituado Festival de Cannes, na França.

Sobre o apoio, Stefanie afirma que [e quase impossível o cinema brasileiro sobreviver sem a ajuda do governo. “Mesmo com ajuda, já é difícil. Para fazer cinema no Brasil precisamos de todas as opções de apoio juntas: precisamos da iniciativa privada, precisamos da ajuda do governo em todas as esferas e da ajuda do que mais aparecer”.

Ela explica que as produções são viabilizadas em grande parte por editais de incentivo. “São Paulo é o único estado a ter um edital como o Proac – algo que os demais estados do Brasil não possuem. Ao mesmo tempo, os editais são bastante concorridos, já que houve um aumento da produção nos últimos anos. Na esfera municipal é muito raro ter incentivo para produções. Esperamos que isso mude com a lei Paulo Gustavo, que está chegando no município para fomentar não só os produtores audiovisuais, mas também outras linguagens artísticas”, aponta.

Itu por muito tempo foi considerada “cidade-cinema”, com diversas gravações ocorrendo em locações do município (leia mais aqui). A vizinha Salto é a terra de Anselmo Duarte (ganhador da Palma de Ouro em Cannes com o filme “O Pagador de Promessas”) e tem curso de Cinema. Porém, a produção cinematográfica dessas cidades acaba não ganhando destaque.

Para Stefanie, o mercado nacional de produção cinematográfica é bem concorrido e produzir um filme custa muito caro. “As produções cinematográficas independentes nem sempre tem a aceitação do público como as outras produções, é uma questão cultural. Temos documentários ótimos gerados na cidade de Itu e região, mas sabemos que há uma lacuna enorme na distribuição deste material a ser preenchida”, conta.

A produtora relata que, em Salto, alguns alunos do curso de Cinema tiveram filmes exibidos pelo mundo todo, atingindo uma grande quantidade de festivais. “Só que esses festivais são mais vistos pelos produtores de cinema do que pelo grande público. Mesmo assim, não é fácil para quem está começando ter um filme dentro de um festival”.

Para Stefanie, o formato tradicional do cinema – as salas de cinema – vai mudar muito de perfil. “O acesso aos filmes através do streaming veio para ficar, mas não significa que o cinema vai morrer. Talvez a sua linguagem se altere bastante com a influência das narrativas seriadas e da internet. Mas o audiovisual é muito mais presente nas nossas vidas do que imaginamos. O cinema mundial vai mudar bastante e com o Brasil não será diferente”.

Cineclube

O Cineclube de Itu se formou por cineastas de Itu que produziam filmes, mas individualmente. “A gente já se conhecia; só faltava se juntar mesmo. Então resolvemos nos juntar através do Cineclube. Foi uma maneira de fazermos filmes juntos com mais facilidade, mas também de nos divertirmos, bater um papo sobre cinema e ver filmes com outras pessoas”, conta Stefanie.

O grupo exibe todos os tipos de filmes, mas dá prioridade para produções independentes e cineastas da região. “Nesses cinco anos de Cineclube tivemos muitas rodas de discussão com o público após cada sessão. No começo a gente se perguntava: ‘Para que se reunir e ver um filme que pode ser baixado na internet para assistir no sofá de casa?’ Então percebemos que assistir filmes em grupo faz toda a diferença. O cinema é uma arte coletiva e manter o cineclubismo nos traz essa essência. O cinema foi feito para as pessoas estarem juntas. Essa é a nossa proposta”, frisa.

Pôster de “Nada”, filme indicado por Stefanie

O Cineclube realiza uma mostra inteiramente com filmes produzidos na cidade e também fez um encontro regional em Itu, em março deste ano, com as cidades de Sorocaba, Tietê, Itapetininga, Salto e outras. “Como próximo passo estamos em busca de mais estrutura para que o projeto seja sustentável. Não temos espaço próprio e a Secretaria da Cultura disponibiliza o local para que as sessões aconteçam. Mas investimos nosso tempo nesse projeto e muitas vezes tiramos dinheiro do nosso próprio bolso”, diz Stefanie, que finaliza citando seu filme nacional favorito.

“É cruel responder qual meu filme nacional favorito. Acho injusto escolher um só, mas vamos lá: um filme que me tocou muito foi um curta-metragem de Minas Gerais chamado ‘Nada’ (2017), dirigido por Gabriel Martins”. O cineasta também dirigiu “Marte Um” (2022), que foi o representante do Brasil na disputa por uma indicação ao Oscar deste ano.