Dona Juju e dona Vivi
Foi no tempo em que quase não havia professor homem. Pelo menos no grupo escolar. A imensa maioria era formada de professoras. Um tempo em que ser professora era ser muito importante, ser respeitada e ter excelente salário. Qualquer rapaz que conseguia conquistar uma professora para casar, estava com o futuro garantido. E não chegava a ser tão raro, um rapaz simples, sem fortuna, acabar por conquistar esse grande prêmio. Mas, grande parte delas tinha conhecimento do próprio valor e não ia se entregando assim, sem mais nem menos, ao primeiro aventureiro que aparecesse.
Tinha outra coisa: num tempo em que a moral e o bons costumes, ainda eram qualidades valiosas nas mulheres, eram ainda mais identificáveis nas professoras que tinham que ser exemplos de virtudes para toda a sociedade, pois eram os “segundas mães” dos alunos. Assim, quem tentava conquistar uma professora já sabia da pedreira que iria encontrar pela frente. Só para pegar na mão demorava pelo menos uma semana, as vezes até um mês. Pra por a mão nas costas e dar um beijinho então, levava uma eternidade. Mas, acontece que os exageros, sejam no que sejam, nem sempre levam ao melhor resultado.
Assim, não era raro que professoras que excediam na seriedade de conduta, acabassem virando solteironas. Foi isso que aconteceu com as amigas Juju e Vivi, ou melhor explicando, as professoras Judite e Elvira que eram amigas desde criança e se formaram ao mesmo tempo na Escola Normal que era a pedagogia da época. Foram juntas dar aulas no Grupo Escolar Dom Pedro I e, com o correr dos anos, se acostumaram a serem chamadas por Dona Juju e Dona Vivi, tanto pelo colegas ou mesmo pelos alunos. Ambas eram duas moças muito elegantes e recatadas, porém, há que se reconhecer, não eram bem aquinhoadas na própria aparência física, muitas vezes afastando a possibilidade de algum pretendente.
Mesmo quando havia algum raro rapaz que se interessava por uma delas, a paquera não ia em frente, pois ambas, embora desabonitadas, privilegiavam a própria pureza. Mas, havia na escola quem cochichasse que todas as oportunidades em que eram cumprimentadas com um simples aperto de mão, pelo Diretor, o professor João Florêncio, que era solteiro, ambas estremeciam da cabeça aos pés, embora tentassem, inutilmente, disfarçar. Mas, passaram dias, meses, anos e, tanto Juju como Vivi, continuaram grandes amigas e… solteiras! Até que chegou a inevitável aposentadoria. Fizeram uma festa de despedida para elas no grupo escolar e foi só. Cada uma foi para sua casa curtir a própria solidão. Por isso que o convite do Fazendeiro Theobaldo Guazelli chegou na hora certa.
Ele estava inaugurando a escola rural que havia construído na Fazenda Jatobá, de sua propriedade e veio convidar Juju e Vivi para serem as primeiras professoras no local. Nem precisou insistir muito. As duas agarraram a oportunidade com as quatro mãos. Nem mesmo a explicação dada por ele as desanimou: – “As senhoras pegam o ônibus Itu-Jundiaí ali no Largo do Mercado, vão até o Km 22. Aí terão que caminhar mais ou menos um quilômetro até a sede da fazenda onde está a escola, contornando um bosque que existe no local e, após a aula, retornam pelo mesmo caminho e tomam o ônibus de volta”. Dona Juju e Dona Vivi, que mal haviam passado dos 50 anos, não viram nessas condições nada que as impedisse de cumprir a patriótica missão de semear sabedoria às crianças.
E tudo transcorreu durante os dias seguintes, conforme haviam combinado. Até que chegou aquela sexta-feira fatídica. Elas desceram do ônibus e iam as duas pela estrada, como de costume, quando Juju sugeriu: – “Vivi, vamos cortar caminho pelo bosque. Tem mais sombra e a gente quebra a rotina”. A amiga topou e ambas adentraram o bosque. Foi aí que aconteceu. De tocaia, apareceram dois caboclos fortes, suados e sem camisa. Não teve jeito: foram despidas, violentadas pelos dois que, após o ato hediondo, desapareceram entre as árvores. Ainda atordoadas enquanto se vestiam, Vivi conseguiu indagar: – “E agora, Juju, como é que vamos fazer?”
– Temos que ser sérias e sinceras – Disse Juju – Temos que dizer a verdade para o senhor Theobaldo, que fomos violentadas no bosque por duas vezes.
– Duas? – Estranhou Vivi – Mas, foi uma vez só!
E Juju, justificou:
– Ora, não vamos ter que passar por aqui, na volta?