Espaço Acadil: A forma e o conteúdo do poeta, da poesia e da vida

Luccas Eduardo Castilho Maldonado
Cadeira 36 | Patrono Nelson Werneck Sodré

Um debate tão antigo quanto a definição do que corrompeu originalmente o homem, se a mulher, a cobra, a natureza, a propriedade ou qualquer outra coisa, é aquele sobre as vinculações entre a forma e o conteúdo. Uma definiria a outra ou as duas são independentes? A resolução do dilema não é muito complexa; uma análise rápida faz perceber que se trata de uma distinção aparente.

Os poetas brincam com isso desde que Roma era apenas uma vilazinha. Camões gracejou sobre no seu inesquecível “Amor é fogo que arde sem se ver”: o soneto, expressão mais acabada da racionalidade, encontra o indefinível amor. Drummond também quando relata o sofrimento da mãe de Luísa, esta angústia tão pequena diante das mazelas que realmente deveriam ocupar as páginas dos jornais. Augusto de Campos, mestre da arte, fez-se impecável quando escreveu que já estava na hora de ir e já foi. Quem vale a pena ler ou melhor quem sabe escrever, joga o jogo e conhece as regras.

Ênio Silveira, um notável deste país tão grande e às vezes tão pequeno, um dia fez troça, ou talvez seja só mal humor de editor que tem a mesa tomada por calhamaços, que o Brasil é a terra dos poetas. Quando se faz um concurso do gênero, aparecem aos milhares, simplesmente a expressão do gosto pela palavra. Todo político publica seu livro de poesias. Se é deputado, governador, presidente ou membro de movimento social, emerge tacitamente o lirismo. Outro dia o primeiro-ministro foi visto rabiscando trovas em um projeto de lei que a oposição encaminhara, pornográfico ataque às letras e ao bem público. O próximo prefeito de São Paulo fez um podcast para divulgar seus últimos textos e o mais famoso podcaster acaba de se tornar poeta.  

Combina-se tudo isso com a total inviabilidade comercial da poesia no país. Raras são as editoras que conseguem sobreviver especializadas no gênero. Na prática, vende-se “aprenda liderança com Shakespeare” para poder vender Shakespeare; os próximos sucessos editoriais são as táticas infalíveis de sedução de Romeu: “como não ser corno com Otelo”, “empoderamento feminino com Ketty” e “como Dante empreendeu do céu ao inferno”. Uma penca de autores reside em depósitos da Amazon mundo afora.

Se a forma e o conteúdo são indissociáveis na poesia, isso vale também para a forma e o conteúdo da vida social; aliás isso também é aparente. A maneira como se constroem as coisas modula as próprias coisas. Por isso, antes de escrever poesias, seria bom começar a ler poesia. O conselho também é válido para os distintos gêneros e para a vida, excelente mentalidade apresentada em Nietzsche para estressados.