Espaço Acadil: Ali era assim

Durce Gonçalves Sanches
Cadeira 14 | Patrono Guilherme de Almeida

No lugar de rua, era uma estrada poeirenta ladeada de casas simples, amarelecidas pelo tempo.

Ao longo do caminho, chácaras ponteavam a paisagem quase rural.

Não fossem as pequenas casas de comércio como a venda do Bonando, onde o fiado era registrado em caderneta para os que correspondiam a confiança, e o bar do Chico Silva, espaço para uma boa prosa, regada de aperitivos, restava ainda a ida para o centro comercial em busca de compras para manter uma vida laboriosa, porém simples e pacata.

Lá de vez em quando uma novidade: era o velho “guarda-louça” do Seo Gentil, antigo motorista de praça, trazendo algum passageiro. Novidade sim! Fosse boa ou má. Ou era algum forasteiro em visita ao bairro, ou era algum doente de volta à casa após tratamento no nosocômio da cidade. Mas lá estava parado para que o passageiro descesse, o lustroso Ford preto, curiosidade para nós, crianças da redondeza. Mirar-se no espelho daquela lataria era defrontar-se com um espírito mágico de transporte aos sonhos.

Ficar doente, era ir ao Dr. Júlio, médico de verdade. Suas receitas eram atestados de cura. Ninguém buscava outro caminho senão o da chácara de Dona Alice, que era Arantes de Freitas por associação a esse grande homem, defensor dos pobres e oprimidos. Um verdadeiro Lucas na sua trajetória profissional.

Aviar uma receita era pisar firme aquela estradinha, mesmo de pés descalços, para chegar ao centro urbano. Passagem obrigatória pela venda de Seo Angelim Peroni, espaço para um pequeno descanso e umas preces, ali ao lado, à porta da pequenina capela de Santa Luzia, bem defronte ao campo santo. Depois, calçar as alpargatas “Roda” e chegar até o boticário Seo Brito e após, sem dúvida, comprar algumas “cangaias” na Padaria e Confeitaria Americana.

O retorno ao bairro fazia-se novamente a pé. Não havia ônibus. Falava-se na velha jardineira que de vez em quando aparecia e ia até a venda do Pato, lá no Gabriel Piza. Mas, eu mesma, nunca a vi. Só via passar a baratinha do Seo Duarte da Nhá Lico. Era esta uma simpatia de senhora! Sua presença nas festas de São João era marcante. Quem não conhecia as suas famosas cocadas amarelinhas? Regalo para todos. Alegria na barraca de doces. Venda proveitosa para os festeiros.

Caminhar nessas memórias é retomar a alegria de ter vivido uma infância feliz ali naquele pedaço de vida. As velhas amigas Maria Olívia Colo, comadre de batismo das bonecas, a Lídia Bonando e a Ercília Silva, nas brincadeiras de casinha, os moleques sorrateiros como o Durval Bonando, o Natalino Pereira e meu irmão Amaro e outros tantos, compartilharam comigo esses bons momentos e talvez ainda hoje possam compartilhar dessas ingênuas lembranças, mas que são fortes sementes que germinaram estas saudosas recordações.

Ali era assim. Ali era o bairro da minha infância. Ali era o Bairro do Taboão, na velha São Roque.