Espaço Acadil: As catilinárias do Bauer

“Quo usque tandem, abutere, Catilina, patientia nostra? Distante deste tempo, dois mil anos, a frase latina de Cícero contra Catilina, que ameaçava um golpe de Estado à república romana, era matéria instigante aos estudantes do curso clássico, em escolas públicas e privadas de Itu, na primeira metade do século XX. Quem os provocava à reflexão era um mestre cativante e hábil tradutor no melhor gosto da língua pátria: “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?”

O idioma latino era obrigatório na escola, mas foi subtraído, na ditadura militar, ao subterfúgio de ser matéria sem função prática em uma sociedade tecnocrata, que passou a preparar gerações futuras a um mundo de progresso, idealizado sem visão de conjunto, e que legou ao futuro um planeta inóspito à sobrevivência humana.

E Cícero? O mestre sabia trazê-lo ao centro das discussões como aprendeu com os jesuítas, envolvendo os jovens em performances, disputas e jogos. Assim, cultivava-se a beleza das palavras aspirando um conceito melhor de ser humano, envolvido em valores essenciais à cidadania. Pena essa educação só ter sido privilégio de poucos! Tristão Bauer foi professor no Ginásio do Carmo, no Externato do Patrocínio e no Instituto de Educação Regente Feijó. A sua formação clássica inspirava os estudantes, naquela fase tão bonita da vida, em que sonha-se transformar o mundo pelos exemplos do passado trazidos pela história e pela literatura. Imaginava-se que a retórica bem construída, na oratória entoada com cuidado, poderia enternecer os abrutalhados pela rudeza da vida. 

Tristão Bauer nasceu em Itu há 120 anos, em 15 de março de 1904, filho de Maria Augusta da Costa e Filipe Bauer. Estudou música com os pais e o tio, Tristão Júnior. Após o grupo escolar, aos dez anos, entrou para a escola apostólica dos jesuítas, iniciando a formação clássica em gramática suprema latina e grega e a retórica dos grandes oradores da Antiguidade. 

Em 1926 voltou a Itu, quando casou-se com a Sra. Maria Maciel. Prestou concurso para reger a cadeira pública de latim, dissertando sobre a arte poética de Horácio. O único volume existente desse exercício está na biblioteca do Museu da Música e revela primoroso trabalho. 

Em 1944, Bauer deixou o magistério para tornar-se prefeito de Itu, escolhido dentre notáveis, para um curto e eficiente mandato, no final do Estado Novo. Depois de mais de trinta anos em São Paulo, sempre nas lides da educação, voltou a viver em sua terra, já viúvo. Na década de 1980, era um discreto ancião visitado pelos filhos Antonio, Beatriz e Maria do Carmo, a talentosa Carmita Bauer que marcou época nas escolas de teatro da capital. 

Bauer faleceu a 6 de janeiro de 1985. 

Quando criada a ACADIL, o acadêmico José Luís de Oliveira o escolheu patrono da Cadeira 16. A segunda ocupante, recém-empossada, é a poeta Fernanda Savioli Scaravelli Pires, empenhada em evocar sempre o nome de Tristão Bauer.

Luís Roberto de Francisco
Cadeira Nº 30 | Patrono Tristão Mariano da Costa