Espaço Acadil: Psicanálise

Guilherme Del Campo
Cadeira Nº 11 I Patrono Mario de Andrade

Tibúrcio chegou antes da hora. Taciturno, apresentou-se à recepcionista carregando uma enigmática caixa de papelão e afundou-se numa poltrona de assento surrado. A desconfiada atendente olhou para ele penalizada, algo era triste, sofrido.

Minutos depois, Dr. Leocádio, o psicanalista, abriu a porta:

           – Próximo.

Tibúrcio levantou-se trôpego e apreensivo. Ingressou no consultório carregando a caixa e o médico indicou-lhe um divã azul desbotado.

            – O que o traz aqui?

            – Minha mulher obrigou-me.

Delicadamente Dr. Leocádio ofereceu-lhe uma xícara de chá, que o paciente recusou. Enquanto degustava vagarosamente sua infusão, o médico lembrou Tibúrcio que talvez fosse necessário evocar sua infância e levantar o que foi reprimido. Tibúrcio negou responder qualquer referência a sua infância e deixou claro que a sua vida estava desmoronando.

            – Afinal qual é o problema?

            – Minha mulher vive afastada de mim. Diz que sou “estúpido”.

            – Por quê?

            – Quando vou urinar não levanto o assento e mijo em cima. Não é preguiça é cultural, todo macho faz isso. Aí ela grita: – “estúpido”! Diz que como de boca aberta, derrubo comida na roupa e arroto. À noite reclama do meu ronco e que solto estrepitosos peidos. Que eu gosto de usar roupa velha e rasgada. É um tal de “estúpido” pra cá… “estúpido” pra lá. Sabe doutor às vezes pergunto-me: – quem é essa velha nojenta que dormiu anos comigo? Ela vai para a cama de touca e veste camisolas antigas herdadas da mãe, velha implicante tal a filha. A cara enlameada de creme branco, malcheiroso que ela não sente. Um horror. Não me deixa vê-la sem roupa. Diz que é uma indignidade. Quando casamos ela era jovem, bonita, de bom humor e carinhosa. Transformou-se numa megera, uma bruxa horrorosa. Não a reconheço velha diaba. Ela é uma mulher indigesta, merecia uma bala na testa. Pior, não larga do celular onde for. Peste dos infernos.

O psicanalista respirou fundo, fez uma pausa e olhou para a caixa:

            – Pode ser transtorno de ansiedade, depressão. Mas o que traz nesta caixa?

            – Sonhos, epifanias, assombrações, fantasmas…

            – Isso funciona?

            – Não sei. Guardo aqui questões sem respostas: – há vida após a morte? – são reais os extraterrestres? – pessoas foram abduzidas? -tiveram “chips” implantados sob a pele? – “nóias” virarão zumbis a nos contaminar? – após a morte vamos para o céu, ou para o raio que nos parta? – porque essa bruxa não morre logo?

            Incrédulo Dr. Leocádio tossiu e enquanto terminava o chá, olhava para o paciente com pesar e incrédulo.

            – Fale-me sobre o sexo.

           – Há tempos que Mafalda aboliu. Ingressou num grupo feminista, diz que sente nojo e não vai fazer sexo com um “estúpido”. Dorme no quarto de visitas. Contrariada ela joga coisas em mim e quebra tudo. É uma louca descompensada.

           – Doutor, com sinceridade o que acha que sou?

           – Sinceramente?

           – “Estúpido”, “Estúpido”!!!