Espaço Acadil: Tudo é memória

Allie Marie Queiroz
Cadeira 25 I Patrono Candido Motta Filho

Caminho diariamente por ruas antiqüíssimas, por onde passou minha gente, durante séculos.

Ruas estreitas e tortuosas, onde ainda ecoam passos ancestrais, firmes e resolutos, cheios de uma nobreza, que se não é de berço, foi conquistada com a mesma volúpia com que desbravaram matas e rios. Gente teimosa, essa de Itu, determinada a suportar e superar a rudeza da vida precária da boca do sertão.

Ando todos os dias por essas ruas e ainda vislumbro a antiga calma das horas escorridas pelas janelas generosas e pelos bancos das praças, fiando prosas e causos.

Gente de falar também orgulhoso, uma espécie de dialeto para iniciados, que deixava os de fora, forasteiros, embasbacados e fora das conversas.

Ó, como vai?

já soube do acontecido?

essa menina, pare de treler aí…

não bula no guarda-comida…

Ainda lembro as fachadas altivas dos casarões que se sucediam, alinhados e empertigados em longa fila, com suas portas e janelas abertas para o mundo de fora, um movimento que completava o mundo de dentro, trazendo sabor e novidades para a rotina sonolenta da pequena cidade. Cada acontecido se transformava em assunto nas mesas do café da tarde, ganhando ares de folhetim, de tragédia grega ou pastelão, conforme o ânimo e a vontade de cada um.

As músicas da banda, no coreto da praça, o lamento das matracas nas procissões e o murmúrio das ladainhas ainda persistem no ouvido e na lembrança, sons que embalavam os dias, desfiados entre as festas santas e profanas. O Cristo morto e estendido entre flores da sexta-feira da Paixão,

ressuscitado nos sinos frenéticos do alvorecer da Páscoa, só superado pelas bombas do Judas, ao meio-dia em ponto.

Tudo é memória, tudo é história, os rostos, as ruas, as festas, o apego desmedido aos grandes da terra, e aos pequenos também. Homens e mulheres que nos trouxeram, através de seu legado, até as portas do quarto centenário.

Como não amar tanta grandeza, como não se curvar em reverência a essa gente?

Como não sentir um aperto no coração, de saudade. Saudade das janelas abertas, das casas amplas e centenárias, de tantas coisas que se perderam nas voltas do tempo?

E, por fim, mais que reminiscências e fotos amareladas, que fazemos nós, hoje, para honrar esse legado único que recebemos da gente de Itu?

Haverá entre nós, alguém que siga os passos de Almeida Júnior, ou um novo Padre Bento, pio e generoso com os desventurados?

É a nossa hora, de todos nós!

Mirar o passado para transformar o presente em um futuro a altura da herança que recebemos.