Especial: A realidade dos venezuelanos na cidade de Itu

Casa da ONG Crescimento Limpo, situada no Centro de Itu, tem abrigado diversas famílias venezuelanas (Foto: Daniel Nápoli)

A grave crise econômica pela qual a Venezuela atravessa desde 2013 fez – e ainda faz – com que muitos venezuelanos deixem seu país em busca de novas oportunidades de uma vida melhor. De acordo com informações da ONU (Organização das Nações Unidas), o número de refugiados e migrantes da Venezuela em todo o mundo atualmente é de 3,4 milhões, sendo 96 mil somente no Brasil.

Itu, por meio da ONG Crescimento Limpo vem realizando um trabalho de acolhimento a venezuelanos. Há 11 anos, a entidade que abriga ex-dependentes químicos e pessoas em situação de rua em busca de um recomeço e desde 2019, acolhe também os refugiados venezuelanos em uma casa mantida pela entidade, localizada no Centro. Isso se deu devido à parceria entre o projeto “Brasil, coração que acolhe”, da ONG Fraternidade sem Fronteiras (FSF) com a Crescimento Limpo.

A FSF é uma organização humanitária e o projeto “Brasil, coração que acolhe” foi fundado em 2017, pela refugiada venezuelana Alba González. De abril a dezembro de 2018, quando a crise imigratória se agravou, mais de 200  venezuelanos foram interiorizados pelo projeto, em estados como Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Rondônia, além de São Paulo.

“Por conta do trabalho de Alba na FSF, uma amiga entrou em contato comigo para falar sobre a responsável do RH de um hotel de Itu, que tinha disponibilizado vagas de trabalho para imigrantes venezuelanos. Ela se ofereceu para ajudar, e selecionou algumas pessoas do centro de acolhimento de Roraima”. Foi assim que a trajetória da auxiliar de cozinha Eucarez Mariana Vasquez Perez, de 24 anos, começou a ganhar forma na cidade.

Ela saiu da Venezuela em 2018, com a filha recém-nascida e o marido, indo para Roraima. Seu esposo foi um dos que conquistou a vaga de trabalho em Itu. Sem conhecer ninguém na cidade e sem uma moradia, surgiu no caminho da família a ONG Crescimento Limpo. “A casa CL nos ajudou em tudo. A dona [Alice Kaiser], coordenadora da Crescimento Limpo ao lado do marido [Mark Kaiser] chamou para uma entrevista [na Caféla, cafeteria pertencente à ONG]”, conta.

Após passar na entrevista, Eucarez começou a trabalhar na Caféla, local em que atua há três anos. Empregada assim como o marido, quatro meses depois eles conseguiram deixar de morar na casa da ONG e passaram a “caminhar com as próprias pernas”. Mas, de acordo com a venezuelana, “eles sempre estão com as portas abertas, se preocupam se você comeu, se está caminhando a sua vida, se você está precisando de alguma coisa”.

Eucarez, que deixou na Venezuela os pais e a avó, alimenta o sonho de um dia retornar. “Mas temos que levar dinheiro para investir em alguma coisa”, relata. Apesar da saudade de casa, ela enaltece o presente em Itu. “Estou trabalhando aqui e gosto muito de estar aqui, são pessoas muito boas, ajudam muito. Amo muito essa cidade, muito linda, muito tranquila”.

Evaristo (à esquerda) e Eucarez Mariana Vasquez Perez (à direita) são venezuelanas e trabalham na Caféla, pertencente à ONG Crescimento Limpo (Foto: Daniel Nápoli)

Saudade e gratidão

Garçonete na Caféla, Aury Evaristo, de 21 anos, deixou a cidade venezuelana de Cumaná em dezembro de 2020, juntamente com sua mãe, irmão e cunhada. “Lá na Venezuela era estudante de Jornalismo, fazia rádio, trabalhava com isso, mas na verdade a situação está bem complicada. Os valores eram mais complicados para a gente pagar. Você tinha que escolher entre estudar e comer. Minha mãe é paciente de hemodiálise, a medicação dela era bem difícil para achar. Cada dia as sessões eram menores e por isso a gente falou que precisava ajudá-la para ter uma melhor qualidade de vida”.

Após sete meses separada da mãe, que partiu para tratamento em Roraima, Aury partiu com a família para Araçariguama, cidade em que tinha familiares. “Lá não tinha um tratamento para minha mãe e a gente conheceu a ONG Crescimento Limpo através de uma ONG de Araçariguama, e em agosto chegamos em Itu”, conta a venezuelana.

“A gente morou por sete meses na CL, foi um acolhimento muito bom. Quando alguém te dá amor sem te conhecer e sem conhecer ninguém nessa cidade, a gente viu o poder de Deus nessa oportunidade que a CL deu para nós, de morar lá, de alimentação e foi um tempo de aprendizado. A gente sempre fica grato com as pessoas, com o emprego que estou agora”, relata Aury.

A garçonete vê tudo o que passou como uma grande lição. “A gente tinha uma estabilidade emocional na Venezuela. Sair para ir para um refúgio foi bem complicado, mas a gente tinha um objetivo. Tudo é ensino. Precisamos passar por certas situações para Deus nos deixar algum ensinamento e passamos a valorizar coisas que não valorizávamos”, conta.

Assim como sua compatriota e companheira de trabalho Eucarez, Aury também sonha em retornar para casa. “A gente sempre fica com o coração apertado por sair de nossa terra. Com certeza a gente quer que a Venezuela melhore, que o governo possa mudar. A gente quer voltar pra lá, pode levar tempo ou não, mas é o nosso sonho. A gente tem gente lá e muitas coisas que queremos ver novamente”.

Apesar da saudade, o sentimento é de gratidão. “Estou feliz, porque uma coisa que aprendi é agradecer o dia que estou vivendo, sou grata por trabalhar aqui, quero deixar um bom exemplo. Sempre agradecer os brasileiros, que desde o primeiro momento nos acolheram, essa gentileza, esse amor de vocês para a gente. Agradeço muito e fico feliz de estar aqui onde estou”. Para saber mais sobre o trabalho da ONG Crescimento Limpo, ligue para (11) 2429-3834 ou acesse www.crescimentolimpo.org.br.

Outras situações

Além do trabalho realizado pela ONG, é importante que se diga que nem todos os casos chegam até a instituição, já que a própria reportagem, recentemente, esteve em contato com uma família venezuelana que pedia dinheiro em um semáforo no Centro de Itu.

Questionada a respeito de trabalhos desempenhados pela secretaria de Promoção e Desenvolvimento Social, a Prefeitura respondeu por nota que, em regra, os venezuelanos quando chegam em uma cidade já possuem documentação em virtude do Programa de Interiorização do Governo Federal, por isso a entrada no país já está regulamentada o que lhes confere qualidade de cidadão. “Portanto, a denominação mais eficiente aos venezuelanos é refugiados, para que se garanta, de acordo com o direito internacional, a permanência e a estabilidade no Brasil, direitos e deveres e proteção internacional”, explica a nota.

Segundo a Prefeitura, em Itu são recebidos não só venezuelanos, mas migrantes de diversas nacionalidades, e aqui no interior, tendem a ter mais oportunidades de emprego e continuar acessando programas de saúde pública, educação e assistência social. No âmbito da assistência social quando os mesmos apresentam condições de vulnerabilidade podem acessar programas sociais e realizar cursos no CCI/UNIT para aumentar as possibilidades de acesso ao mercado de trabalho.

A Prefeitura também informa que atende refugiados quando já existe risco social, situações de violência e violação de direitos. “Quando essas pessoas estão em situação de rua, quem faz o acolhimento e orientação é o Centro POP, e cabe observar que esses usuários, na maior parte das vezes, vêm de outro município e não se estabelecem em Itu. Hoje, observamos um volume maior de migrantes que utilizam os equipamentos sociais no território do CRAS Bumba Meu Boi, especificamente, na região da Comunidade Monte Sião, aproximadamente 30 famílias de diferentes nacionalidades, com predominância de africanos, como Guiné Bissau, Congo, Angola”, aponta.

Nos equipamentos de proteção especial, como CREAS e Centro POP, o fluxo é de aproximadamente 50 pessoas atendidas nesse ano, de diversas nacionalidades, inclusive venezuelanos, que receberam o atendimento necessário às vulnerabilidades apresentadas. “Salientamos ainda que nem todas as pessoas migrantes procuram os serviços de assistência social, e não necessariamente todos são vulneráveis”, encerra a Prefeitura.