Júlia Baldi: “lugar de mulher é onde ela quiser”

Júlia Baldi foi a representante do estado de São Paulo na última Conferência Nacional de Políticas para Mulheres em Brasília/DF (Foto: Acervo pessoal)

Hoje (08) é celebrado o Dia Internacional da Mulher, data de celebração e, principalmente, de reflexão. Para destacar a importância do dia, convidamos a assistente social Júlia Girardi Baldi, representante do estado de São Paulo na última Conferência Nacional de Políticas para Mulheres em Brasília/DF, para falar sobre. Confira a entrevista completa:

– Qual a importância do Dia da Mulher?

É interessante refletir sobre a necessidade de um dia específico para recordarmos de questões óbvias, como o respeito à mulher. Algo que deveria fazer parte de nossas relações de convivência cotidianas.

Controvérsias existem sobre a origem da data… alusão à morte de inúmeras mulheres que trabalhavam em condições precárias em uma fábrica de tecidos que foi incendiada; decorrente da articulação política do movimento socialista europeu e norte americano; por fim, na década de 70, o Dia Internacional da Mulher foi adotado pelas Nações Unidas com o intuito de enfatizar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres em todo o mundo.

Porém, a questão que considero mais importante a respeito da data é: qual a reflexão você realiza sobre o tema? Não apenas neste dia! Mas qual o seu comportamento ontem, hoje e amanhã nas relações sociais, amorosas, profissionais, de amizade, que estabelece com as mulheres?

De que maneira, você participa, ou não, na promulgação das diversas formas de violência? Qual o papel que lhe cabe nessa sociedade brasileira que mata, estupra, violenta física e emocionalmente, 35 mulheres a cada minuto no nosso país!

Dados esses, que se referem apenas às situações de violência que são registrados. Fora os que nem chegam a ser denunciados.

São filhas, irmãs, primas, mães, amigas, conhecidas e desconhecidas que sofrem essa violência. E você! Aliás, quando foi a primeira vez que você se deu conta de que estava vivenciado uma forma de violência? Já ouvi tantos relatos tristes e revoltantes. Em outra oportunidade posso compartilhar.

Mas hoje, quero te provocar a refletir. O que essa data significa para você? 

– Qual sua visão sobre as atuais leis de proteção e garantia de direitos das mulheres? O que falta avançar?

A teoria e prática permanecem distantes. A legislação que tenta proteger a mulher da violência não se efetiva.

Desde a promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006, um arcabouço legal complementou a defesa das mulheres. Tais como, Lei Carolina Dieckmann (crimes cibernéticos), Lei do Minuto Seguinte (atendimento violência sexual), Lei Joanna Maranhão (aumento para 20 anos da prescrição dos crimes), Lei do Feminicídio (crime hediondo).

Mas na prática, como ocorre? Essa mulher que tem a coragem de denunciar o seu agressor, no caso de uma violência doméstica, volta para onde depois de sair da Delegacia? Ou a mulher que reúne forças emocionais para denunciar um estupro, como é tratada pela sociedade? Como prova sua inocência, estando “lubrificada”? Quais são os questionamentos acerca da conduta moral dessa mulher?

Você, homem ou mulher que está me lendo… O que passa pela SUA cabeça quando assiste uma notícia sobre estupro? Qual roupa a mulher estava usando? Onde ela estava? Qual era o horário? Ela foi permissiva! Ela poderia ter evitado! Ela bebeu!!! Observe como essa percepção está tão arraigada em nossa cultura, que sequer percebemos que culpabilizamos a vítima e não o agressor!!!

Isso tudo só me traz a convicção de que as alterações que desejamos na sociedade, devem ocorrer através da educação, da transformação de uma cultura permeada por valores de menosprezo e violência à mulher por uma cultura de igualdade e respeito.

Entende que não há efetivo policial capaz de garantir a segurança de 35 mulheres vítimas de violência a cada minuto? Precisamos agir urgentemente, de forma individual e coletiva para garantir os direitos das mulheres, e garantir o básico: que as mulheres não morram por serem mulheres.

– Quais são os principais tipos de violência sofridos pelas mulheres nos dias de hoje? Como podemos combater isso?

A lei tipifica 05 tipos de violência contra a mulher e é importante temos clareza, para que possamos identificar quando ela acontece:

Violência moral – quando o homem difama, calunia a mulher. Ou seja, quando o homem inventa mentiras e fala mal da mulher. É de difícil identificação, porque, na maioria das vezes, a vítima não percebe que se trata de uma violência.

Violência patrimonial – é quando o homem retém, subtrai ou destrói seus bens. Seja aquele santinho que você ganhou da tia e adora, e ele destrói em um acesso de descontrole? Ou quando o homem pega o seu salário ou destrói seu instrumento de trabalho? Então, essas ações são formas de violência, porque se trata do seu patrimônio.

Física e sexual são bastante conhecidas, certo?

Mas vale ressaltar que, violência sexual não é só estupro não, ok? Ocorre também quando o parceiro exige ou ameaça para que a mulher realize determinada prática sexual.  Ou quando o homem retira o preservativo durante a relação sexual sem comunicar a mulher. E isso é mais comum do que vocês imaginam, e é crime!

Violência Psicológica – quer ver como é fácil entender? Imagina alguém te dizendo todos os dias: “Sua imbecil! Sua porca! Tudo o que você faz é um lixo! Você é uma burra e se não fizer como eu mando, vou te matar! Pode parar de ir visitar sua mãe que ela não é uma boa influência pra você! E esquece das suas amiguinhas!”. Compreendeu?

Aliás, sugiro fortemente que assistiam à minissérie brasileira “Bom dia Verônica!”? Ou a série norte-americana “MAID”. As reflexões provocadas pelos filmes nos forçam a ampliar nossa compreensão de mundo sobre a violência contra a mulher. É impossível assistir e permanecer indiferente.

Ah! Gostaria de abordar uma outra forma de violência, mais sutil, que permeia as nossas mentes desde a infância e nos coloca em uma posição de busca infindável por uma beleza que contemple, sobretudo, a juventude a magreza.

Ahhhhhhhh… mas isso é mimimi, ninguém te obriga! Realmente, não há uma arma na minha cabeça com alguém me ameaçando a ser magra, colocar silicone, não ter celulite, não ter rugas e ser eternamente jovem.

Mas você percebe o quanto essas imposições estão entranhadas na nossa sociedade. Vocês se lembram dos desenhos da nossa infância? Você, que tem mais ou menos 40 anos… Pensa comigo! Como eram as vilãs dos desenhos? E as mocinhas?

Eu sei que às vezes a gente não percebe mesmo… Na correria da vida, atendendo tantas demandas… trabalho, família, casa etc. Mas gostaria que vocês, homens e mulheres, refletissem sobre o que é ser mulher no Brasil.

– A mulher está cada vez mais presente em posições de comando no mercado de trabalho, mas ainda recebe menos que homens em cargos iguais, muitas vezes. Por que isso acontece e você acredita que podemos mudar esse cenário?

Acredito que isso aconteça, porque a sociedade ainda compreende que, as mulheres têm sua capacidade de trabalho reduzida simplesmente por serem mulheres,

Certamente, porque, sabe-se que a mulher que está inserida no mercado de trabalho, tem dupla ou tripla jornada, o que a sobrecarrega e pode interferir no seu rendimento no trabalho. Afinal, quando a criança se machuca na escola, para quem a escola liga? Quem acompanha o avô no médico? Passa no supermercado antes de ir para a casa? Lava a louça, passa a roupa? Quem cuida da carteirinha de vacinação das crianças? Quem sabe do Boletim escolar?

Pode parecer até natural que a mulher assuma todas as atividades na esfera particular, e o homem se aproprie do espaço público. Mas a vida não seria melhor se todas essas funções fossem compartilhadas? Você acha que não? Sério? Provavelmente, porque você é beneficiado por esse sistema.

Embora não se fale muito a respeito, a divisão do trabalho doméstico por todos que moram na casa, certamente contribuiria para que as mulheres tivesses mais e melhores oportunidades de trabalho. Está tudo interligado. É óbvio.

Outra coisa que pode ser feita, e é muito simples, é apoiar as amiguinhas, né? A rede social está aí para estabelecermos conexões e também para manifestarmos apoio. Mesmo que a mulher seja uma profissional liberal, uma costureira, uma marqueteira ou influencer, apoie o trabalho dela! Clica! Curte! Segue! Não dói o dedo.

Importante lembrar que, as mulheres não precisam agir com homens para conquistar espaços profissionais. Nossas diferenças são inegáveis. O nosso corpo tem o poder de carregar no ventre uma vida e capacidade de alimentar outro ser humano através do leite… Enfim! Somos diferentes em diversos aspectos, e isso não é ruim! É de alguma forma, complementar.

O problema ocorre quando determinados comportamentos são esperados, ou até mesmo impostos, por nascermos mulheres. Somos todos seres humanos com potenciais incríveis de realização. E todo desejo é legítimo! Afinal, lugar de mulher, é onde ela quiser!