Louça Inglesa

Uma autêntica peça de porcelana inglesa, pintada com flores azuis. Rosas, para ser mais exata, lindas rosas inglesas desabrochadas, adornando o branco imaculado.

A inscrição do fabricante também impressa em tinta anil, o nome, a data e o made in England em letras manuscritas bem caprichadas, aquelas de caderno de caligrafia que dariam inveja a qualquer aluno de garranchos indecifráveis.

Conviveu por gerações com a família, ouso afirmar que vem do tempo da tataravó, dona Leonor. Uma peça única, às vezes subestimada pelo uso corriqueiro, às vezes disputada com urgência.

Família antiga, cheia de pertences, minha gente costumava guardar para os mais novos, segundo a preferência de cada um, seus objetos mais queridos.

Foi assim que recebi a mesa de almoço da casa da avó, aquele modelo ituano com gaveta, testemunha das refeições diárias de pelo menos três gerações. No tempo que me lembro, a gaveta era usada para guardar os pesados talheres de alpaca.

Era em torno dela que se reuniam nos dias de semana os amigos de meu avô para o sagrado aperitivo das onze horas. Aos sábados era servido na varanda, pois aumentava o número de participantes. Figuras importantes passaram por lá, Dr. Pinheiro (o Júnior), João de Barros, capitão Saldanha, Dr. Chebel…

O assunto era a política e eu, rondando pela sala, sempre recebia um momento de atenção e afago. Conversas acaloradas que duravam até todos saírem apressados, já perdendo a hora para o almoço.

Da bisavó Amirat, guardo uma pequena relíquia, o breviário com capa de veludo carmim, com o crucifixo e as bordas em rendilhado de prata, impresso em Paris.

Dela também me sobraram dois castiçais, bem singelos, que já demonstraram sua utilidade e atualidade em diversas ocasiões.

Da vasta coleção dos Leitão apenas algumas xícaras, copos de cristal e uma ou outra coisa, uma pena.

Mas voltando à peça de porcelana, não sei se mais alguém reparava tanto nela quanto eu. Achava o máximo, a coisa mais atrativa da casa toda, nem os medalhões pintados, nas paredes da entrada, me pareciam tão delicados, tão graciosos quanto essa louça.

Nem mesmo o elegante relógio de carrilhão francês, esbelto em sua caixa de madeira, que o avô dava corda uma vez por semana para que executasse suas obrigações com pontualidade, regulando cada quarto de hora da vida da família. Hoje ele mora em minha casa, mudo e triste. Acham que atrapalha o sono…

Há beleza em tudo, basta saber olhar e ver. É bem o caso dessa porcelana inglesa, que apesar da nobre procedência, não passava de um prosaico… Vaso sanitário!

 

Allie Marie Dias de Queiroz

Cadeira 25 da Academia Ituana de Letras