Mecânico dos Bons

J.C. Arruda

Estou entrando no meu banco para pagar uma conta urgente e encontro o Ademir Fragnani. Para quem não conhece, o Ademir foi por longos anos proprietário do Restaurante “O Rancho”, que lançou o hoje famosos ‘porco no rolete’ e que ficava logo ali praticamente na estrada da Estrada dos Romeiros, que liga itu a Cabreúva, às margens do rio Tietê. Ademir foi também um dos esportistas de futebol salonista quando dirigia com o famoso Abílio Ceratti um dos melhores times que tu já teve, o inesquecível Imperial.

Nos cumprimentamos e ele foi logo dizendo: “- Zé, tenho uma estória do Trapachini para você publicar nas suas crônicas.”. Agora, imagine, eu com toda a pressa que estava, fui até um pouco indelicado: “- Olha, Ademir, agora não tenho tempo, mas depois você me conta. Aliás, eu já conheço e publiquei TODAS as estórias do Trapachini”. Ele insistiu: “- Não, eu sou especialista em Trapachini e esta que vou contar, nem eu mesmo conhecia”. E foi contando.

Como se sabe, Bepe (Giusepe) Trapachini ficou famoso em Itu pelas estórias exageradas que só com ele aconteciam. Naquele tempo, ele fazia um pouco de tudo: era pedreiro, caçador, pescador, escavador, motorista, soldado, etc, etc. Só que em tudo que fazia, sempre foi o melhor. Naquele momento da estória, era um dos motoristas da Tecelagem São Pedro. Foi quando a empresa resolveu contratar um curso de mecânica para todos seus motoristas. O curso deveria durar 3 meses, mas Trapachini, com 15 dias de aulas, já estava praticamente ensinando os outros. Como já disse, ele sempre foi o melhor em tudo.

Acontece que no mês de muitas chuvas, a São Pedro precisava enviar uma carreta com fardos de algodão até Cuiabá, no Mato Grosso. E isso era urgente. Só que a ponte sobre o Rio Paranaíba, na divisa de São Paulo com Mato Grosso, havia caído e a reconstrução da mesma iria demorar por causa da chuvarada. A diretoria da São Pedro ficou de mãos atadas, porque havia uma data inadiável para a entrega. Não se sabe como, a situação chegou aos ouvidos de Trapachini. Ele, sem demora, se ofereceu para levar a carga, e mesmo quando o gerente lhe explicou sobre as dificuldades, Trapachini chamou para si a responsabilidade: “Isso é problema meu. Eu dou um jeito!”. E foi.

Saiu de Itu na segunda-feira, numa Scania super carregado e, para surpresa geral, na sexta-feira da mesma semana estava de volta, todo risonho com a missão cumprida. Mas, o gerente dos transportes da empresa não se agüentava de curiosidade. Queria porque queria saber, como é que ele conseguiu a façanha, pois a empresa de Cuiabá havia, por telegrama, confirmado o recebimento da carga em perfeitas condições. Após vários dias de pressão, Trapachini acaba contando tudo para o curiosíssimo gerente.

Contou que foi tudo tranquilo mesmo até a divisa e que a ponte sobre o Paranaíba estava de fato destruída. Em seguida, ele usou a cabeça: contratou dois barcos médios, para transportar os fardos do outro lado do rio, de quatro em quatro fardos de cada vez. A carga ficou na outra margem, sequinha sem tomar uma gota de chuva. Em seguida, desmontou o Scania inteirinho e, nos mesmos barcos, transferiu as peças todas, aos poucos, para outra margem. O resto foi fácil; bastava remontar a carreta, peça por peça, recarregar a carga e partir rumo a Cuiabá. Na volta, tudo foi mais fácil, pois o Scania retornou vazio

No fim da estória,o Ademir Fragnani arrematou com um sorriso bem malandro: “- Como se vê, Trapachini nada mais fez do que bem aproveitar o curso de mecânica que frequentou…”