Não enxerga quem não quer
Por José Renato Nalini*
Prevalece, para vasta maioria da população, a falsa ideia de que defender a Amazônia do descalabro que hoje lá se pratica, seja iniciativa de ambientalistas nefelibatas. Distanciados da realidade. Inimigos do progresso.
Não é bem assim. O depoimento de quem vive lá pode trazer um contraponto a essa visão simplista. A índia Alessandra Korap, da etnia mundurucu, foi premiada no ano passado com o Prêmio Robert F.Kennedy de Direitos Humanos, entregue nos Estados Unidos em solenidade que contou com a presença de John Kerry, o homem do meio ambiente do governo Joe Biden.
Essa outorga não foi fruto do acaso. Ela reage ao projeto insano de acabar com as áreas indígenas e contra índios de sua própria etnia, cooptados pelos interessados na devastação. Ela conta que as nascentes acabaram, que os índios sabem que há mercúrio no sangue deles. E conta: “A pessoa vai achar que a Amazônia é verde, é bonita, é cheia de animal. Não! Ela é cheia de problema. Tem garimpo soja, barragem, grilagem, madeireiros, invasões. Mas o problema mesmo é que o Estado nos abandonou”.
Não é apenas abandono. No momento em que o Estado acoberta madeireiros ilegais, toma partido deles em lugar de prestigiar a Polícia Federal que fez a maior apreensão de madeira extraída de reserva florestal, é óbvio que a liderança indígena está com a razão.
Para ela, a democracia é o regime que assegura liberdade de opinião. O índio seria consultado e respeitado em seus direitos. “Isso não existe para nós”. O Brasil continua a hostilizar o índio que, na verdade, era o verdadeiro dono da terra. Quando os portugueses aqui chegaram, as nações indígenas já se encontravam no solo brasileiro havia séculos. Ou talvez milênios.
Houve verdadeiro genocídio. Nem se consegue calcular quantos índios foram mortos. Outra boa porção morreu porque o branco levou para eles doenças que não conheciam e contra as quais não tinham imunidade. Há relatos de contaminação deliberada, para facilitar a ocupação da terra que eles preservaram durante tantas gerações.Apesar disso, há quem diga que o índio não deve mesmo ter direitos, porque não tem o mesmo grau de civilização do branco. É esse o grau civilizatório de que o branco deve se orgulhar?
* É Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022.