O doutor gravatinha
J.C. Arruda
Quem conhece a convivência dos Delegados de Polícia nas cidades dos interior com suas respectivas populações não pode imaginar as mudanças ocorridas com o passar dos anos nessa relação. Atualmente, a grande maioria dos Delegados prima pela cordialidade com seus munícipes e, mais do que respeitados, são queridos por eles. Não quero aqui citar nomes, mas a integração dos Delegados com a sociedade fez com que grande parte do povo perdesse o medo que existia em outras épocas.
Na década de 60, por exemplo, passou por Itu um Delegado cujo nome ninguém lembra. Era conhecido apenas pelo apelido de Dr. Gravatinha. Isso em razão de ele trajar invariavelmente, de dia ou de noite, com frio ou calor, um terno elegante, o qual era complementado por majestosa gravata borboleta! E ele gostava de exibir toda a coleção delas: uma era a preta tradicional, outra era vermelhinha, uma terceira azul com bolinhas brancas e assim por diante.
Pois, vou-lhe contar que com toda essa elegância, o Dr. Gravatinha conseguiu impor o maior terror na cidade. Como naquele tempo a violência era pouca, a polícia se bastava em prender alguns bêbados, os bicheiros (do jogo-do-bicho, claro!) e alguns briguentos que se metiam em alguma encrenca. Diante desse panorama não violento, o Dr. Gravatinha optou por melhor desempenhar suas funções no campo da moral e dos bons costumes. Deflagrou uma tremenda guerra contra casais de namorados que estivessem dando escândalos fora do ambiente familiar.
Então, para a juventude local, namorar fora de casa, fosse no banco do jardim, no interior do cinema ou nos clube da cidade, transformou-se numa batalha inglória. O rapaz estava com a garota numa praça mais escura, como o Largo São Francisco (atual Praça Dom Pedro Primeiro) e, de repente, saía não se sabe de onde, sorrateiramente, uma mão lhe tocava o ombro interrompendo o beijo na metade e, surgia o Gravatinha, geralmente com dois soldados. Ali mesmo o casal levava o maior sermão e mandado embora para casa. Se houvesse recusa, moço e moça iam terminar a audiência moralizatória, na delegacia.
Também havia na cidade um comissário de menores o Chiquito Ruggieri que assessorava devotamente o Dr. Gravatinha e costumava acompanhar o Delegado nas rondas noturnas, principalmente nos bailes e não era incomum algum casal que estava passando dos limites da moralidade, no meio do salão, ter a dança interrompida e convidado a se dirigir até a sala da diretoria do clube para levar um sabão daqueles. E olhe, eu não me recordo de ninguém que, chamado a atenção pela autoridade e que tenha se rebelado. Acho que porque o Dr. Gravatinha era firme no sermão, mas agia com classe, com educação.
O interessante é que por esses anos existia em Itu uma zona do meretrício, alí nos primeiros quarteirões da Rua Santa Cruz, onde as profissionais do sexo recebiam seus clientes de toda a região. Elas ficavam nas janelas ou mesmo nas portas das residências se exibindo para os possíveis fregueses, sem que nunca tenham sido molestadas pelo Dr. Gravatinha. Aliás, nem elas, nem os clientes. Dava a impressão de que o enérgico delegado tinha como código algo como “cada atividade no seu devido lugar”.
Tendo em vista, que o Dr. Gravatinha, o que ele gostava de verdade, era de passar um sabão nas pessoas, ficou famosa uma passagem real ou lendária do dia em que ele intimou um cidadão conhecido como Zinho Pedreiro para prestar declaração na Delegacia.
– O senhor é o José de Souza, mais conhecido por Zinho Pedreiro? – Foi, perguntando o Delegado.
– Sou, sim Doutor – Respondeu o intimado.
– O senhor é genro da Dona Valquíria, aquela senhora de idade que foi agredida na saída da igreja por aquele marginal?
– Ela é minha sogra sim, senhor Delegado.
– E como é que o senhor, vendo o homem agredindo sua sogra na sua frente, permaneceu de braços cruzados?
– Pois é doutor, eu até estava com vontade de fazer alguma coisa para ajudar mas…
– Mas, oque? Indignou-se o Gravatinha.
– … Achei que dois homens batendo numa velhinha, seria muita covardia!