O paladar de Jânio

J.C. Arruda

Quando Jânio Quadros renunciou à presidência da República em agosto de 1961, apenas 7 meses após assumir o cargo, foi um transtorno nacional. Alguns historiadores chegaram a dizer que ali naquele momento foi lançada a semente para o golpe de 1964 que culminou numa ditadura de mais de 20 anos. Como não poderia deixar ser, também em Itu a repercussão foi muito grande, porque o janismo estava sendo implantado na cidade, por meio de um novo político chamado Galileu Bicudo.

Galileu havia sido eleito Prefeito da cidade, com o apoio do médico Felipe Nagib Chebel que deixava a Prefeitura e, durante a campanha eleitoral, o Governador de São Paulo, Jânio Quadros, cujo apoio era disputado por outros candidatos, acabou optando por Bicudo. Então, com a ajuda de Jânio e do Dr. Chebel, o novo político conseguiu evitar a volta do antigo Quinzinho Galvão para a Prefeitura. Na verdade, Quinzinho não poderia se somar a Jânio, pois a família Galvão era muito ligada ao ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros.

Tá muito complicado? Deixa então eu resumir. O Estado de São Paulo tinha Jânio de um lado e Adhemar do outro como suas principais lideranças. Em Itu, Quinzinho Galvão continuou com Adhemar de quem sempre foi amigo e Galileu se acomodou espertamente no ninho de Jânio. Claro que na eleição para presidente, Jânio “estourou” em Itu com uma tremenda votação, ficando o Marechal Lott, apoiado por Jucelino Kubitschek em segundo e o pobre Adhemar em terceiro. Em compensação, quando Jânio renunciou quem mais sofreu o baque em Itu, foi o povo de Galileu.

A queda veio a se confirmar quando, nas eleições para o governo de São Paulo em 1963, Jânio se apresentou como candidato e Adhemar também. Aconteceu que o governador que estava no poder, Carvalho Pinto, que deixava o cargo e tinha sido eleito com apoio de Jânio, resolveu lançar um terceiro candidato chamado José Bonifácio. Ou seja, dividiu os janistas. Quem acabou ganhando foi Adhemar de Barros. Só estou contando tudo isso para justificar o final desta história que até hoje é repetida em Itu. Jânio veio, fez o comício e depois, ao invés de partir preferiu permanecer na cidade. Foi para o sítio de um amigo chamado Cesar Castanho que fica até hoje na estrada de Porto Feliz. Lá foi recebido com festa pelos amigos, dentre os quais estavam o próprio Cesar Castanho, Helio Mazzuco, Edu Tocheton, Orlando Papai e outros.

Formaram uma mesa para jogar cacheta. Procurando agradar o ex-presidente lhe ofereceram algo para beber. Jânio que “não podia ver defunto sem chorar” aceitou. Mas, para surpresa geral escolheu uma cachacinha. Na hora Orlando Papai compareceu com uma dose. Jânio experimentou e elogiou. Passou mais algum tempo, e Papai voltou com outra dose, pedindo ao Presidente que experimentasse. Jânio experimentou e foi logo dizendo: – “Meu caro Orlando, quer me parecer que esta é um pouco mais encorpada que a primeira, embora não lhe fique devendo em qualidade”. E a cacheta foi entrando pela madrugada.

Nessa altura, Orlando Papai já estava todo orgulhoso de estar servindo o ex-presidente, com exclusividade. E Jânio, famoso pela frase “Fi-lo porque qui-lo” não se furtava em opinar sobre o conteúdo de cada dose: – “Esta é um pouco mais adocicada no seu indelével sabor, mas vamos experimentar a próxima para saber-lhe a qualidade”. E assim foi pela noite adentro, com o presidente avaliando cada dose que bebia e inclusive dando um show de cacheta nos outros parceiros, até porque inteligência e sagacidade nunca lhe faltaram. Quase ao mesmo tempo resolveram todos ir para a cama, também Jânio porque, no dia seguinte, o comício seria em Sorocaba.

Bem de manhã, todos acordaram para se despedir do Presidente que partiu entre abraços. Um abraço especial foi para Orlando Papai já então ouvindo a gozação de ser o “Barman Presidencial”. E foi durante essa gozação que Papai entrou para a cozinha e de lá voltou com um garrafão de pinga com menos da metade. Era um garrafão da famosa pinga Cristal de Cabreúva, cachaça que Jânio tomou durante toda a noite, servida em doses por Papai como se essas doses fossem cada vez de uma cachaça diferente. Dizem que o Presidente jamais soube dessa história…