O PIRATA E AS REDES

Tempos atrás tive a oportunidade de participar de um retiro espiritual com os membros do clero de Roraima, onde estive em evangelização missionária. As atividades aconteceram na região da Serra do Tepequém, no norte do Estado. Trata-se de uma atração turística 700 metros acima do nível do mar, com belíssimas paisagens e muitas cachoeiras para quem tem a disposição de vencer algumas trilhas no meio do mato. É um lugar bucólico e com muita natureza.

No retiro com os padres a primeira coisa que percebi é que ninguém teria quartos individuais, nem banheiro ou chuveiro, quanto mais armários ou qualquer outra comodidade. Tudo era coletivo e compartilhado. Não havia camas. Numa espécie de grande garagem, cada um armou sua rede. Eu estava sem, mas consegui uma emprestada. A mala que levei foi o meu armário durante aquela semana.

Todos usamos roupas simples: camiseta, bermuda, sandália ou chinelo. O calor era grande e o número de pernilongos também. Haja repelente! Durante o dia, momentos de oração comunitária e reflexões. Pausa para o almoço e tempo para descansar também. Muita convivência e conversa, além das informações sobre a realidade local e a troca de experiências.

Não foi apenas com o clero local que fiz amizade. Os cãezinhos sempre me acompanharam nas minhas aventuras. Pois no retiro também fiz um amigo canino. Chamava-se Pirata e pertencia ao caseiro do lugar. O nome foi-lhe dado por ter uma grande e redonda mancha preta em volta do olho esquerdo. De fato, o cãozinho parecia estar com um tapa-olho!

Confesso que, como bom caipira urbano, a ideia de dormir quase ao relento numa rede estava preocupando-me. A escuridão da noite, os sons vindos da mata, o friozinho da madrugada, sem falar na fauna, poderiam atrapalhar meu descanso noturno. Ao menos era o que eu pensava. E se algum lagarto, uma cobra ou aranha, sei lá, aparecesse querendo dividir a rede comigo?

Experimentei grande surpresa e conforto quando, na hora de dormir, o Pirata veio em meu auxílio. Como se adivinhasse, o cachorro deitou-se bem debaixo da minha rede. Era como se dissesse: “Percebi que você é de longe e não está acostumado. Fique tranquilo! Estou aqui, de ouvidos atentos!”.

E assim foi. Graças à companhia vigilante do meu cãopanheiro, tive noites agradabilíssimas de sono em meio à natureza amazônica. Os amigos padres disseram que eu chegava até a roncar, de tão tranquilo. Fato curioso, uma vez que não tenho o hábito de roncar. Quem me conhece, sabe. Deve ter sido o Pirata…

Amém.

 

Salathiel Westphalen de Souza

Cadeira nº 27 | Patrono Dom Gabriel Paulino Bueno Couto